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Os Lamentos De Lutie-Loo

Os Lamentos De Lutie-Loo, no original "The Lament of Lutie-Loo" é um conto extra presente na edição unica da trilogia The Modern Faerie Tales da autora Holly Black. O conto possui uma ponte de ligação entre os personagens de The Modern Faerie Tales e O Povo do Ar, onde alguns personagens conhecidos pelos leitores aparecem...

O conto gira em tono da pequena Lutie-Loo em uma missão nas terras impossiveis de Elfhame onde reina a soberania da temida Grande Corte. Na linha temporal, o conto se passa alguns anos após Ironside e alguns anos antes de O Principe Cruel. Espero que apreciem a tradução!

The Lament of Lutie-Loo
TRADUÇÃO: THICOSS


Lutie tinha quase a estatura de uma grande caneca de chá. Ou um lápis algumas vezes apontado. Ou um livro de bolso que facilmente é enfiado na bolsa.

Tão pequena que se escondia no cabelo de Kaye. Tão pequena que não cabia nas roupinhas fashion das bonecas, a menos que fossem ajustadas com agulhas que tinham o mesmo comprimento dos braçinhos. Tão pequena que era totalmente considerada de completa insignificância. Por causa de seu tamanho, desde o momento em que nasceu, cambalhotando de uma flor e ainda levemente felpuda de pólen, Lutie-loo nunca recebera trabalhos importantes. Apenas recadinhos bobos um após o outro.

Quando Silarial a enviou para a Corte Unseelie junto de Spike, Gristle e a Bruxa do Cardo, Lutie pensou que sua sorte estava mudando. A maneira como a Rainha falou sobre a tarefa fez parecer algo muito importante! Mas cuidar de Kaye, uma criança que desconhecia sua própria magia, era o mesmo que ser babá. Claramente não era uma missão.

Claro, Kaye tinha se revelado selvagem como sangue de pixie, duas vezes mais esperta e três vezes mais teimosa. Kaye acabara sendo responsável pela morte de Silarial... e a queda de duas cortes. Mas isso definitivamente não fazia parte do plano. E nada disso tinha acontecido por algo que Lutie tinha feito.

Agora Lutie era membro honrado da Corte de Roiben. Não lhe faltava nada, e ninguém lhe deixava fazer nada também. Se esperava apenas que se sentasse, bebesse o orvalho das pétalas e ignorasse a todos, como se nenhum membro da Nobreza a visse como algo além de um inseto enorme e ligeiramente mais inteligente. E, é claro, a maioria dos mortais nem a viam.

– Só tenho que encontrar Ethine, assim posso perguntar qual é o problema – disse Kaye, sentada em um banquete nos fundos da cozinha de sua cafeteria, Moon in a Cup, enfiando o cadarço verde brilhante nos buracos da bota. – Acho que entendo o motivo de ela ter ficado com raiva, mas não foi culpa dele! Ela já devia ter se dado conta.

Lutie zumbiu em aprovação, atenta a possibilidade de que encontrar Ethine fosse possivelmente algo em que pudesse ser útil. Afinal, podia falar com algumas pessoas e descobrir informações. E provavelmente não entraria em tantas discussões quanto Kaye. Seria um ótimo trabalho para ela.

– Talvez eu poessa encontrá-la. Possivelmente.

Mas Kaye não prestava atenção.

Silarial a ordenou que lutasse contra Roiben, mesmo não sabendo manusear uma espada. Ela estaria morta se Roiben lutasse. Se Silarial tivesse conseguido o que queria e Roiben decidido se sacrificar, Ethine teria que matar o próprio irmão. Talvez esteja culpando ele por isso também.

Kaye enfiou o pé na bota, batendo-a no chão de ladrilhos com a força da raiva.

Kaye morava em Nova York, apesar do ferro e a doença que a cidade trazia. Da última vez que visitou Roiben tinha redecorado a sala do trono, jogando fora dúzias de objetos Unseelie horríveis e claramente valiosos, considerando os protestos dos conselheiros do novo governante, incluindo muitos tecidos manchados de sangue e um tapete de pele de rato. Kaye não sabia deixar as coisas bem com estavam. Nunca soube. Certa vez, Lutie assistia a Bruxa do Cardo instruir Kaye a não retirar o encantamento de proteção, mas Kaye correu imediatamente para fazer exatamente o que tinha sido instruída a não fazer.

Lutie a amava, mas Kaye não era uma criatura sensível. Certamente não conseguia entender alguém como Ethine, que parecia querer que todos os seus problemas desaparecessem.

– Ethine é orgulhosa – disse Lutie. – Orgulhosa, triste e chateada.

Kaye fez careta.

– Se pelo menos eu pudesse explicar...

Lutie podia imaginar Kaye vagando pela Terra das Fadas, derrubando governos por acidente e causando grandes confusões uma após a outra. Tinha certeza de que Roiben não iria gostar disso, especialmente se deixasse a irmã ainda mais irritada com ele. Talvez Lutie pudesse encontrar Ethine ela mesma e preparar um encontro. Claro que uma grande dama da corte como Ethine provavelmente não teria tanto interesse nas palavras de uma sprite do que teria com a de uma pixie, mas todos Nobres adoravam protocolos. E ser mensageira deixaria tudo mais formal. Exceto que, se Ethine se recusasse, Kaye acabaria entrando em ação e persuadido-a do contrário.

Lutie limpou a garganta, fazendo a sugestão novamente.

– Eu poderia encontrar ela.

Kaye deu a ela um olhar de avaliação. Lutie alçou voou de seu lugar tentando parecer competente. E maior.

– Não – respondeu Kaye, balançando a cabeça. – Vai ser muito incômodo para você.

– Eu consigo! – insistiu Lutie, um pouco mais ríspida do que pretendia.

Kaye pareceu surpresa.

– Tenho certeza que consegue.

– Vai ser a minha missão. Vou fazer atos de ousadia!

As sobrancelhas verdes de Kaye se levantaram.

– Espero que não. Mas se quer mesmo ir, então tudo bem. Deixo essa missão chata para você. Encontre Ethine e me traga notícias do paradeiro dela e, possivelmente, notícias do que deu no rabo dela para ficar tão...

– Isso! – comemorou Lutie, voando alegremente. – Vou encontrar a irmã de Lorde Roiben. Vou providenciar tudo!

Kaye sorriu para ela. Dissera que acreditava que Lutie conseguiria, e como qualquer outro feérico, Kaye não podia mentir. Lutie sentiu uma explosão de esperança. Se conseguisse, não só deixaria Kaye contente, mas também Lorde Roiben. Quem sabe o Rei sombrio da Corte dos Cupins se animasse e lhe concedesse uma medalha ou uma arvore oca para chamar de sua, ou talvez lhe enviasse para missões ainda mais importantes.

A missão demandou o dia todo reunindo e guardando coisas que achava que poderia precisar – um cumprido alfinete de aço protegido por uma bainha de couro, para servir de espada; vestidinhos de bonecas e alguns outros itens roubados de uma casinha de bonecas, todos abarrotados em uma sacolinha aveludada de joalheria que serviria de mochilão; e três grãos de café orgânico com cobertura de chocolate, de energético.

Foi então que percebeu que não fazia ideia de como encontrar Ethine. Estava certa de que conseguia, mas ter certeza não lhe deu a primeira ideia de por onde começar. Então pensou, pensou e pensou até comer um dos grãos de café com cobertura de chocolate.

Já era bem tarde quando se deparou voando e pousando em cima de um tronco cortado em baixo da ponte de Manhattan. Tentou encontrar algum otimismo na forma como as raízes da arvore cortada tinham rachado o concreto antes dos humanos a derrubarem, mas era difícil.

Lutie voou até uma janela escapulindo para dentro, na sala de espera do preparador de poções e alquimista dos feéricos solitários de Nova York. Ravus, o troll, morava aqui. Lutie o conhecia, porque ele já havia pertencido à corte de Silarial e tinha uma companheira humana que fora colega de quarto de Kaye. Ao se lembrar disso, também percebeu que não tinha certeza de quanto tempo tinha se passado desde então. O que tinha acontecido com a garota?

Lutie não conseguia recordar.

Ravus tinha sido exilado da corte de Silarial, disso sabia. Os dois estiveram na corte durante o mesmo período, embora seus caminhos não tivessem se cruzado. Ravus era tão grande que ficar por perto apavorava Lutie. Ele poderia esmagá-la com facilidade, distraidamente, com o golpe de uma das mãozonas.

Mas Ravus também era o fabricante de um pó que dava aos feéricos resistência ao ferro, muitos feéricos solitários e até mesmo os Nobres que visitavam as cidades vinham visitá-lo. Todos usavam o pó, até Lutie. O pó tornava a vida perto do ferro suportável. Talvez Ethine tenha sido um desses Nobres, ou talvez Ravus tenha ouvido algum boato.

Lutie estava esperançosa. Tinha mais esperança ainda de que ele fosse amigável e não pedisse muito em troca das informações.

Havia um sininho perto da porta dos aposentos de Ravus. Ela tocou e esperou nervosamente enquanto o som tilintante ecoava na escuridão.

Poucos minutos depois, a grande porta de madeira se abriu com um rangido, um feixe de luz se espalhou e houve passos pesados no chão. Ravus apareceu, a pele de um verde que parecia um pouco adoentado na escuridão. O coraçãozinho de Lutie acelerou como o zumbido das asas de um beija-flor.

– Seja bem-vinda – disse ele com sua voz profunda. – O que procura?

– Uma cortesã – Lutie respondeu a ele, disparando para dentro de sua sala de trabalho. – A irmã de Lorde Roiben.

Uma longa mesa de madeira estava cheia de ingredientes – peles secas de cobra; ossos pequenos pálidos e garrafas de vidro de muitos formatos diferentes rolhadas e com selos de cera, com rótulos amarrados pelas mãos do troll. O primeiro dizia: ÚLTIMA ESPERANÇA DE UM CORAÇÃO.

O aposento onde entrou era alta de mais, com um loft suspenso logo acima onde se podia enxergar uma cama com lençóis desarrumados e uma perna pálida de fora, nua até a coxa.  Pálida de mais, pensou Lutie. Seria um cadáver? Sem querer, Lutie estremeceu um pouco. Então a pessoa na cama se remexeu durante o sono. Por um estante, Lutie ficou aliviada. A palidez era apenas a luz da lua. Mas um estante depois percebeu a forma distorcida da garota, com o barrigão igual de uma aranha grandona.

O que ele tinha feito com ela? Seria algum tipo de experimento de alquimia?

– Sua cortesã não está escondida no meio de meus cataplasmas – disse Ravus, baixando o tom de voz. – Mas tome um pouco de chá e verei o que consigo me lembrar.

Ele já havia servido uma xícara para si, percebeu quando ele a mexeu. Em seguida, tirou um dedal de uma das prateleiras e o encheu com chá da mesma panela fumegante.

– Tem biscoitos por aqui também, se Val não comeu tudo.

Val. Valerie. Esse era o nome da garota. Se lembrava agora. Com cabelo da cor das moedas de cobre.

Ravus trouxe um prato até a mesa, junto de uma xícara que virou ao contrário fazendo um banquinho da altura de uma sprite. Lutie sentou-se segurando seu dedal da mesma forma que alguém segura um balde. O cheiro que subiu até seu nariz era uma deliciosa mistura de flor de sabugueiro e urtiga. Os biscoitos empilhados no prato pareciam cravejados de alecrim, no entanto Lutie não pôde evitar uma olhadinha nervosa na direção do loft. 

– Ethine foi embora – disse ela, tentando se concentrar na missão.

Ravus concordou com a cabeça.

– Foi embora com raiva, não foi?

– Sim, e Kaye quer que ela volte. – Lutie tomou um gole do chá. – Ela acha que Roiben está triste.

Ravus sorriu, mostrando caninos muito longos.

– O temido Lorde dos Cupins? Nunca o imaginei sentido um sentimento tão comum.

Lutie zumbiu em compreensão. Às vezes parecia que quando Kaye falava sobre Roiben, atribuía emoções diferenciadas ao seu belo amante assassino.

– Então, sabe onde ela está?

– Sim, de fato sei. Ethine foi até uma amiga minha, a procura de uma poção para mudar a cor de seu cabelo. Não queria usar encantamento, porque estava indo para a Grande Corte, onde muito provavelmente veriam através de qualquer magia. Prateado é uma cor bem diferente. Afinal, é igual ao do irmão.

– Grande Corte? – Lutie zumbiu. Não gostava nem um pouco disso.

– Ninguém quer sair correndo para servir a uma corte pequena – observou Ravus suavemente.

Lutie terminou o chá desolada.

A Grande Corte de Elfhame, onde o Grande Rei Eldred governava reunindo cortes menores desde a época da Rainha Mab. Onde dizem que fazem você jurar não para a própria realeza, mas para uma coroa, um juramento que nunca se quebra. Até agora, eles não tinham marchado suas tropas até Roiben, mas tinha certeza de que adorariam que ele prometesse lealdade a Grande Corte, conseguindo grande parte da Costa Leste para seu rebanho. Eles eram muito assustadores.

E isso significava que Lutie teria que voar sobre o mar até as ilhas de Elfhame. Odiava voar grandes distâncias, especialmente sobre a água. Não havia lugar algum para pousar quando suas asas se cansavam, e muitas vezes pássaros e peixes pensavam em fazer dela um lanchinho até que lhes mostrava o contrário. Mas isso era um obstáculo – e todas missões tinham obstáculos. Poderia superá-los, tinha certeza que sim.

Houve um rangido na escada. A garota – não, agora uma mulher, com o mesmo cabelo acobreado que Lutie se lembrava – descia a escada no que parecia ser um camisão largo de banda esticada sobre o abdômen enorme e chinelos felpudos.

– Tem alguém aí? – chamou Val.

– É melhor eu ir indo – zumbiu Lutie.

Kaye não iria gostar nada de saber o que ele estava fazendo com sua amiga.

– Nós a acordamos? – Ravus perguntou a Val, sorrindo calorosamente para ela.

Certamente ele não iria olhar para ela dessa forma se estivesse causando sofrimento a ela.

A mulher balançou a cabeça e bocejou, uma mão descendo para a barriga.

– Foi a azia.

E algo naquele gesto fez Lutie finalmente reconhecer o que tinha de errado com Valerie. Ou nem um pouco errado. Ela estava grávida.

Fadas não se reproduziam com frequência ou facilidade, não como os mortais. E embora Lutie tivesse visto mulheres humanas grávidas antes, havia algo um tanto quanto chocante em pensar que um mortal carregava uma criança fada. Mais ainda, era constrangedor que tivesse pensado todas aquelas coisas ruins sobre Ravus.

Lutie escapuliu do lugar.

Chegando em Fisherman's Wharf, olhou em direção a baía se tranquilizando. Sua missão estava indo bem, pensou. Assim que chegasse a Elfhame, não seria difícil encontrar Ethine na Grande Corte, e então, não importava o que ela diria, Lutie voltaria imediatamente – e missão dada!

Na realidade, não era uma missão tão difícil assim. Daria conta de lidar com trabalhos muito piores. Com esse pensamento contente em mente, entrou furtivamente em uma lojinha de um dólar, onde roubou a sela de plástico de um cavalo de brinquedo e um novelo de lã. Então acordou uma gaivota assustada, que avançou o bico na sua direção imediatamente. Saltando para trás, Lutie ergueu as mãos e falou na língua dos pássaros.

– Faça o que estou pedindo. Me carregue nas suas costas e me leve para onde eu disser.

O animal parou de atacar e Lutie jogou sua sela improvisada nas costas da ave.

Consegui lidar totalmente com este trabalho!

Tudo estava indo perfeitamente bem.

A gaivota disparou em direção às estrelas com um grande grito. Nas costas, a jornada era rápida e segura, levando-a para longe das luzes e do fedor metálico de Manhattan, para além das ondas. Não demorou muito para que avistasse as três ilhas – Insmear, Insmire e Insweal – cercada por névoa, suas colinas e vales de um verde esmeralda nunca encontrado no mundo mortal. Apesar de tudo, seu coração deu um saltito. Aqui era um lugar apenas para feéricos, denso e carregado de encantamento. Quando a gaivota chegou mais perto, até mesmo o cheiro do ar a deixou tonta. Tinha uma sensação que só tivera antes na corte de Silarial, a sensação de voltar para casa.

A gaivota pousou em uma das rochas negras perto da costa. Lutie desceu de suas costas, desamarrou a sela e acenou para que a criatura se afastasse. O animal olhou em volta confuso, como se não tivesse certeza de como tinha parado ali, e então começou a pentear suas penas.

– Coisinha boba – disse Lutie, acariciando sua cabeça com carinho.

Dali, Lutie se dirigiu ao palácio, fazendo uma parada apenas para pousar no galho de uma árvore e vestir um vestidinho de baile vermelho e dourado sem alças de Barbie que lhe deixava com o formato de sino.

Guardas paravam aqueles que se aproximavam da imponente propriedade, mas como sempre, ninguém se incomodou com Lutie. Sendo uma sprite, passou direto voando sobre as cabeças dos guardas que deram a ela o mínimo de atenção que um mortal daria a um vaga-lume.

Lá dentro, o grande salão fervilhava em atividade. Parecia não haver festividades naquela noite, em vez disso, cortesãos sentaram ao redor da sala, alguns vagueando entre grupos. Lutie procurou por outras sprites e encontrou um enxame delas entre raízes trançadas particularmente grossas. Elas usavam vestidinhos caprichados feitos de pétalas e retalhos de veludo, iluminados com o belo efeito do brilho de seus corpinhos. Em um instante Lutie estava bem consciente de estar usando um vestidinho de boneca, mesmo sendo muito bonito. Ela não tinha certeza se parecia provinciana ou muito moderna.

– Hum, olá – disse Lutie.

Um dos outros sprites – um garoto – se afastou do enxame. Ele a olhou com certo desdém, e ela lhe devolveu um olhar igualmente arrogante.

– Você não é da Grande Corte – disse ele. – De onde você vem?

– A oeste daqui – disse a ele. – A leste de outro lugar. Estou à procura de uma cortesã.

Lutie não era muito habilidosa com encantamento, mas conseguia desenhar uma imagem no ar. Ela movimentou a mão no espaço entre eles e uma imagem de Ethine se formou, uma Ethine com cabelos escuros. Durou por um estante e depois desapareceu em brilhos tremeluzidos.

O garoto franziu a testa.

– E por qual motivo devo ajudá-la?

– É simples. – Lutie remexeu na mochila e pegou um grão de café com cobertura de chocolate. – Faço uma barganha com você, te dou uma guloseima rara do mundo mortal que vai agradar seu paladar e entrar no seu sangue, enchendo de alegria.

Ele pareceu não acreditar, mas depois de um momento estendeu a mão para o grão.

– Aceito a barganha, desconhecida. A cortesã é conhecida como Ethna, uma das damas da princesa Elowyn. Pertence ao Círculo das Cotovias, que ama música e arte acima de todas as outras coisas. Procure por uma mulher de pele dourada e você a encontrará por perto. Eu começaria por aquele grupo ali. – aponta ele. – Onde Edir está prestes a passar vergonha com seu jeito ruim de tocar.

Lutie semicerrou os olhos, então assentiu, satisfeita consigo mesma.

Outro obstáculo superado!

E tudo por causa de seu bom planejamento.

O garoto sprite mordeu a borda do grão de chocolate. Enquanto ela voava, viu mais sprites se reunirem ao redor dele dando suas mordidinhas. Um parecia um pouco confuso, tendo claramente mordido o próprio grão sem ter provado a camada de chocolate.

Ela encontrou Ethine perto de onde o garoto havia apontado, servindo-se de uma taça de vinho lilás perto de onde poesia estava sendo recitada. Seu cabelo tingido de preto estava preso com pentes. Usava um vestido no tom azul claro do céu da manhã com rosa empoeirado nas bordas.

– Com licença – disse Lutie, pairando no ar a frente dela.

Ethine olhou para Lutie surpresa, mas sem reconhecimento. Provavelmente não estava acostumada a ser abordada por sprites.

– Pois não? – disse ela, nada encorajadora.

– Venho da Corte dos Cupins, enviada aqui pela consorte de seu irmão. Kaye deseja um encontro.

Lutie esperou que tivesse soado bastante formal. Certamente a frase mais longa do que estava costumada a dizer.

– Ninguém me conhece aqui – o tom de Ethine diminuiu para um sussurro áspero. – E não desejo ser conhecida.

– Talvez pudéssemos conversar a sós. – Lutie não queria ser dispensada. Afinal, estava prestes a realizar sua primeira missão bem-sucedida.

Ethine olhou para as outras damas da corte e para a princesa Elowyn.

– Talvez – respondeu, se dando conta de que discutir com Lutie no meio do salão se transformaria na cena que estava tentando evitar. – Me siga.

Ethine a conduziu para o corredor, depois para uma sala ao lado, uma sala impregnada pelo aroma de terra e flores.

– Então Kaye enviou você?

Lutie assentiu.

– Sim, ela quer conversar. Quer que você se reconcilie com Lorde Roiben.

Lorde Roiben – zombou Ethine, transformando o título no centro de seu desprezo. Lutie estremeceu de espanto, perguntando-se se ela seria tão tola a ponto de dizer algo assim na frente dele. Muitos não fariam, prefeririam viver.

– zombou Ethine, transformando o título no centro de seu desprezo. Lutie estremeceu de espanto, perguntando-se se ela seria tão tola a ponto de dizer algo assim na frente dele. Muitos não fariam, prefeririam viver.

– Ainda está zangada com o irmão – disse Lutie, depois se arrependeu quando Ethine a olhou com raiva.

– Se ele deixasse o orgulho de lado –, disse Ethine. – Sei que ele estava com raiva. A Corte Unseelie o tratou mal, mas ele e Silarial poderiam ter unido as cortes sem derramamento de sangue.

Lutie a olhou perplexa, no entanto, não entendia muito sobre política. Tampouco entendia o sentido de imaginar como as coisas poderiam ter sido se tudo tivesse acontecido de maneira diferente.

– Vai se encontrar com Kaye? Só para conversar.

Ethine balançou a cabeça.

– Não. Sua vinda aqui só vai chamar a atenção... e é sem propósito. Não pretendo ver meu irmão outra vez.

– Ela virá de qualquer forma –, avisou Lutie. – Se você escolher a hora e um lugar...

Diga a ela para não vir –, disse Ethine, elevando a voz. – Diga a ela que não vou vê-la, não importa o que diga e não importa por quem diga. Lutie respirou fundo.

Não era esse o tipo de sucesso que a faria receber medalhas, elogios e a confiança de tarefas importantes no futuro. Tinha encontrado Ethine e conseguido uma resposta, mas a resposta que ninguém queria.

– Sim –, disse Lutie, suas asinhas caindo. – Vou dizer.

Ethine saiu da sala sem olhar para trás. Depois de um momento, Lutie decidiu segui-la. Ela tinha que encontrar outra ave marinha que a levasse para casa, mas primeiro pegaria um pedaço de bolo de aveia e ouviria fofocas com as sprites que tinha conhecido. Isso a faria se sentir melhor e a fortaleceria para a jornada. E se Ethine ficava um pouco nervosa por ainda estar por perto, bem, isso poderia ser um pouco satisfatório.

Com esses pensamentos em mente, ela voou para fora da sala. Estava se movendo rápido de mais que não notou o homem.

Pelo menos não até que as mãos enluvadas dele se fechassem ao redor dela. Lutie gritou com sua vozinha. Ela lutou, mordeu e chutou, mas isso só o fez apertá-la com mais força.

– Te peguei. – Ele usava uma coroa na testa e uma expressão de raiva no rosto. – Deveria estar honrada. Não é todo mundo que pode ser o prisioneira do Príncipe mais velho de Elfhame. E você vai me ajudar a conseguir a coroa de meu pai.

Tais palavras ameaçadoras fizeram Lutie lutar ainda mais. Ele deu a ela um olhar divertido e, em seguida, jogou-a em um saco de pano, amarrando com força.

Havia um cheiro estranho no pano.

Em minutos, ela estava dormindo.

***

Lutie acordou em uma cela tecida a ouro, do formato de uma gaiola de passarinho, mas as barras eram muito mais estreitas e os moveis lá dentro eram claramente destinadas a uma sprite. Estava deitada em uma almofada, ao lado estava a metade de uma ameixa e uma taça de vidro soprado em miniatura com vinho aguado.

Caminhando até a beirada ela olhou para baixo. A gaiola estava pendurada no canto de uma sala, da qual parecia estar cheia de foliões. Claramente, uma festa estava acontecendo.

Lutie tinha que sair da gaiola. Agora seria uma boa hora para isso, com tanto barulho que provavelmente ninguém notaria. Havia um fecho na porta, bem trancado com arame grosso, então começou a destorcer, enfiando o braço por entre as barras, empurrando com toda a força que podia.

– Olha – disse uma voz de garota. – A sprite acordou. Para que o seu irmão quer isso?

Do lado de fora da gaiola, dois feéricos observavam: Um, uma garota do Submarino com as características orelhas aquáticas e aquela estranha translucidez nos dentes. Aparentemente, o outro era parente do príncipe que a capturou. Lutie conseguiu adivinhar mesmo sem garota ter dito. Ele tinha as mesmas características, os cabelos como a manchado de tinta preta e um sorriso irônico que rivalizava com o do irmão. Outro príncipe então, pensou ela.

– Libertinagem, aposto –, disse o jovem príncipe. – Ele fica entediado muito fácil.

A garota torceu o nariz, entediada.

– Me deixe sair – pediu Lutie, embora tivesse pouca esperança disto. – Por favor.

A garota deu uma risada estridente, mas o garoto se aproximou. Os olhos dele brilharam com algo que Lutie não gostou.

– Nós todos estamos presos em gaiolas, spritezinha – ele disse a ela. – Como posso te deixar livre se não consigo nem mesmo me libertar?

– Se afaste daí, Cardan.

Lutie ergueu os olhos vendo que o príncipe mais velho, aquele que a capturou, havia entrado na sala. O garoto – o príncipe Cardan, supôs ela – e a garota recuaram. Ele pegou uma garrafa de vinho da mesa e os dois jovens se dirigiram para um lance de escadas.

Lutie observou-os partir com pesar enquanto sua gaiola era retirada do gancho.

– Finalmente acordada – disse ele. – Me permita me apresentar. Pode me chamar de Príncipe Balekin ou, se preferir, meu senhor.

– Sim, meu senhor – disse Lutie, acostumada com a Nobreza e o amor do povo pela pompa e cerimônia.

– Agora você vai me dizer seu nome –, disse ele. Sem as luvas, as juntas dos dedos pareciam ter espinhos crescendo, espinhos que crivavam os pulsos e desaparecendo sob as roupas.

– Lutie.

– Um mero pedaço de nome – disse a ela, embora dificilmente pudesse esperar que ela lhe desse o nome completo.

Não gostando da resposta, Balekin carregou a gaiola para fora da sala, fazendo-a balançar de modo que o vinho se espalhasse, a taça se espatifasse e a ameixa atingisse as grades como pedra. Lutie se agarrou no cantinho, olhando todos os cômodos pelos quais passavam.

Descobriu-se que fazer buscas era terrível e ela também era terrível nisso.

A festa continuava com gente bebendo e cantando em vários estados de nudez. Por fim, Príncipe Balekin chegou a uma porta e entrou em um escritório onde jogou a gaiola pesadamente sobre uma mesa.

– Agora admita, você pertence a Corte dos Cupins – disse ele.

Lutie se assustou.

– Como sa...

– Tenho espiões. Eles ouviram que você estava procurando uma cortesã. Ethna? Não é mesmo? Nunca dei muita atenção a ela antes, mas agora dei. Em particular, notei que as raízes do cabelo são de um prateado bastante incomum.

O coração de Lutie bateu forte no peito. Não era assim que a missão deveria ser. Chegou a considerar o que aconteceria se não conseguisse terminar o trabalho – se não conseguisse encontrar Ethine e tivesse que voltar para casa em desonra. Mas nunca considerou causar problemas.

– O que você quer? – exigiu Lutie.

– Apenas a confirmação de que eu estou certo. E que agora eu a tenho na palma da mão. – Ele sorriu, todo presunçoso. – Ela está vindo até aqui. Imagino que nós três teremos muito o que discutir.

Lutie fumegou da jaula. Chutou a ameixa, que ricocheteou de volta e a fez pular para fora do caminho.

Príncipe Balekin chamou os criados para trazerem uma bandeja com vinho e figos. Chamou outro criado para lhe trazer Ethna que chegaria a qualquer minuto do círculo de sua irmã.

Quando chegou, ela parecia aborrecida. Usava o mesmo vestido de antes, mas com uma capa que acenou rejeitado a tentativa do servo de tirá-la.

– Meu senhor – disse ela, com uma reverência. – Seu convite foi muito gentil e seu mensageiro muito insistente, mas... – Ela engoliu as palavras quando notou a gaiola com Lutie dentro. – Mas Você. O que faz aqui?

– Você já se chamou Ethine da Corte de Flores, não foi? – Príncipe Balekin perguntou, ignorando a pergunta feita para Lutie.

– Há muito tempo – respondeu ela, rígida.

– Então, você é mesmo irmã dele. – Balekin deu o tipo de sorriso malicioso e lento, sinalizando que algo muito ruim estava prestes a acontecer.

– Estamos brigados. A última vez que vi meu irmão nós estávamos com espadas apontadas um para o outro.

O olhar de Balekin desviou para Lutie.

– Verdade – disse ela. – Tudo verdade. Ela o odeia.

– Ah –, disse Balekin. – Mas mesmo assim vai convidá-lo a vir até aqui. Veja, príncipe Dain tomará meu lugar de direito como herdeiro. Ele tramou para atingir esse objetivo, fazendo com que o Grande Rei Eldred confiasse somente nele. Você deve saber que princesa Elowyn foi empurrada da linha de sucessão da mesma maneira.

– Princesa Elowyn não se importa com política – disse Ethine.

– Bem, eu me importo! – Príncipe Balekin gritou, e ela deu um passo nervoso para trás. Ele estendeu mãos consolavelmente. – E se o poderoso Lorde da Corte dos Cupins concordar em se unir a Grande Corte, posso mostrar a meu pai que sou digno de ser seu herdeiro.

– Se acredita que eu posso influenciar meu irmão a fazer qualquer coisa, você está muito enganado. – Ethine suspirou. – Ele até pode vir aqui por mim, porém ele sequer baixou a cabeça para a própria amada. nem para o bem dela, nem para o meu ou das pessoas que antes eram aquelas que ele mais amava no mundo.

Ah, era tudo culpa sua, pensou Lutie. Se Roiben viesse e fizesse uma barganha ruim por Ethine, seria por sua culpa. Por causa de seu fracasso. Pensando em Ravus, Lutie temia que Roiben fosse um belo assassino amante de assassinatos arrancando corações. A essa altura já acreditava nisso veracidade. Se Ravus tinha um coração, ele estaria em um grande problema.

– Escreva uma carta o convidando – insistiu Balekin, pegando um pedaço de papel e o colocando sobre a mesa, ao lado de um tinteiro e uma pena, a ponta cortada em uma ponta nova.

– Sim, e então eu irei levar a mensagem! – disse Lutie. Talvez se a enviassem com a carta, ela poderia levá-la até Kaye. Kaye teria um plano.

Balekin sacudiu a cabeça.

– Você ficará em sua jaula e me contará tudo que puder sobre a Corte dos Cupins. Assim que Lady Ethine terminar sua carta.

Ethine olhou para a caneta como se fosse uma cobra que pudesse se voltar contra ela mesma a qualquer momento e morder.

– Não irei escrever para ele. E sua irmã não iria gostar de ver uma de suas damas sendo explorada.

– Sou o Príncipe mais velho de Elfhame e farei com você o que eu bem entender. E se Elowyn não gostar, será uma pena.

– Me solte – disse Lutie.

Ele olhou furioso para ela.

– Você é uma criaturazinha ansiosa, não?

– Sim! – disse Lutie. – Muito ansiosa. Eu estava em uma missão importante para marcar um encontro. E agora o encontro será marcado.

Com isso, Balekin jogou a cabeça para trás e gargalhou.

– Suponho que não seja ruim que você tenha suas próprias prioridades, especialmente porque não entram em conflito com as minhas.

– Não faça isso – advertiu Ethine, porem Lutie a ignorou.

Balekin desatou o arame de sua gaiola. Lutie considerou tentar fugir, mas ele poderia agarrá-la, no entanto, se errasse o alvo seria muito difícil de impedi-la depois de ter partido. Poderia sair pela janela e então completamente longe de Elfhame.

Mas se deixasse Ethine para trás, Balekin a faria escrever para Roiben. E ele seria capaz de transmitir a mensagem mais rápido do que Lutie voava. Um trabalho bem feito não é tão bem feito se você torna as coisas ruins para as pessoas que deveria ajudar. Com um longo suspiro, Lutie permaneceu imóvel enquanto Balekin tirava a ameixa, enxugava o vinho derramado com o suco da ameixa e colocava o material de escrita no chão da gaiola.

Kaye era inteligente. Agora Lutie só teria que ser inteligente também.

Ela começou a escrever:

Kaye,

Noticias maravilhosas! Obviamente todos ficarão felizes em saber que encontrei Ethine na Corte de Elfhame. Sim, a encontrei! Só precisei perguntar pela região. O Roiben deveria vir e se encontrar com ela. Muito possível dar um fim na inimizade entre eles. O Faça vir assim que puder. Sei que ele está muito ocupado. Roiben deveria vir encontrá-la, mesmo assim. E vindo mais cedo melhor. Faça-o vir assim que puder. E é claro, sozinho. Não esqueça. Sempre o dia é outro dia sem que ninguém precise avisar.

Atenciosamente,

LUTIE

Balekin puxou o bilhete da gaiola quando terminou de escrever. Ele bufou, lendo tudo.

– Parece um pouco exagerado, não acha? – perguntou ele.

Lutie deu a ele seu melhor olhar vazio e ele balançou a cabeça.

– Vai servir, contanto que ele venha. Do contrário, será você quem sofrerá as consequências. Me entendeu?

Ela assentiu, dividida entre o alívio e uma nova preocupação.

– Você ficará aqui – ele disse a Ethine. – Inacreditavelmente a primeira do Circulo das Cotovias a se esgueirar no Circulo dos Quíscalos para se divertir um pouco. Venha, divirta-se. Beba profundamente. Afogue as mágoas.

Ethine lançou-lhe um olhar escandalizado, mas deixou que ele a acompanhasse para fora deixando Lutie sozinho na gaiola. Ela buscou a almofada molhada do canto da gaiola e se jogou sobre. Tentou considerar o problema apenas mais um obstáculo para a conclusão bem-sucedida de uma missão, mas não funcionou. Estava muito preocupada. Kaye iria entender sua mensagem? Kaye era inteligente, mas se lembraria de ser inteligente naquele caso? Era difícil pensar em outra coisa.

Tempo passou. Servos humanos enfeitiçados vieram, primeiro para pendurar sua gaiola no corredor, e então em horas estranhas para enfiar restos de comida que estivesse sendo servida em outro lugar. Pedaços de gordura e cartilagem. Bordas duras de queijo. Uvas murchas. Lutie os comeu e bebeu a água morna e rançosa também. Não se sabia em qual momento eles poderiam esquecê-la completamente.

Então viu o jovem Príncipe Cardan discutir com a garota Submarina.

– Traidora, não creio que você não será traída em troca – disse ele. – E não pense que não vai me dar prazer quando você for traída. Talvez me dê mais prazer do que sua companhia jamais me deu.

Quando a garota se afastou, ele notou Lutie olhando.

– Sabe o que meu irmão geralmente faz com sprites? Ele as prende dentro de vidros para usá-las de luzes até que morram. Porque é só para isso que sprites servem.

Lutie se jogou contra as barras no fundo da gaiola.

– Ele não será o Grande Rei – disse ela, porque era tudo o que sabia que Balekin queria.

Príncipe Cardan riu.

– Acha que Dain seria melhor? Ou eu, profetizado para me tornar um monstro?

Lutie continuou pressionada contra as barras até que ele se foi, odiando a Grande Corte e todos pertencentes.

Mais uma vez, viu Ethine cambaleando, tonta de mais com a bebida para ficar de pé, seu corpo atingindo contra a parede quando passou. Lutie a chamou, mas ela não pareceu ouvir.

Então, um dos criados tirou a gaiola de Lutie do gancho e a levou para uma sala, onde Lorde Roiben estava sentado bebendo uma xícara de chá. Ele estava inteiramente vestido de preto, o cabelo brilhante caindo sobre os ombros em cascata, como o mercúrio de um termômetro quebrado. Balekin estava perto, com Ethine ao lado dele. Ela parecia cansada, vestida com um vestido com talos de lavanda bordados nele. Seu cabelo estava novamente prateado e curto.

O coração de Lutie afundou. Kaye não estava lá. Kaye não viera salvá-la.

– Lutie – disse Roiben, observando a gaiola com seus gélidos olhos cinzentos. – Recebi seu bilhete.

Lutie balançou a cabeça taciturnamente. Ele viria assim que pudesse, justo como ela dissera, mas ele não tinha ideia no que estava se metendo. Por certo lado, não pôde se arrepender quando Roiben começou a desatar o fecho de sua gaiola. Ela preferia não ser prisioneira nem mais um minuto.

– O que está fazendo? – Balekin perguntou, aproximando-se.

Roiben não parou de desenrolar o fio de arame e um momento depois Lutie estava solta, voando tão alto quanto podia, agarrando-se à parte da moldura decorativa no teto. Não querendo ficar perto de Balekin ou de seus servos assustadores. 

Ou qualquer um dos outros, aliás.

– Eu a libertei – respondeu Roiben suavemente. – O que mais poderia imaginar que eu faria, já que ela é subordinada a mim? Você não deveria tê-la mantido nessas condições.

Balekin o fitou. Talvez tivesse pensado que uma sprite passaria despercebida por Roiben. Talvez a reputação de sanguinário de Roiben tenha dado ao príncipe algum motivo para acreditar que o Senhor da Corte dos Cupins se divertiria com a crueldade.

Roiben continuou.

– É uma gentileza poder ver minha irmã novamente, mas falarei com ela a sós.

Balekin assentiu com um meio sorriso de que isto fazia parte de seu plano. Ele deu a Ethine um empurrãozinho encorajador em direção a Roiben.

– Espero que, seja como for, você considere jurar lealdade a Grande Corte. Tenho certeza de que Ethine falará bem de você pelo tempo em que ela estiver aqui. Ela já se comprometeu, como pode ver.

Lutie entrou em choque. Não havia pensado nisso, embora fosse óbvio que morando na Grande Corte, como cortesã do círculo íntimo de uma princesa, Ethine teria sido convidada a fazer um voto de lealdade. Significava que Roiben tinha zero direito de protegê-la, mesmo sabendo que ela estava em perigo.

– Entendo – disse Roiben.

Balekin saiu, fechando a porta atrás de si. Lutie tinha certeza de que ele estava espionando de alguma forma, mas não tinha ideia de como e não queria correr o risco de ser agarrada novamente por estar investigando.

– Você não queria que eu viesse, não é? – Roiben perguntou a ela quando Balekin saiu. – Você parece infeliz. É correto supor que esta fazendo isso por ele?

– De certo modo – disse Ethine.

Lutie pensou que provavelmente significava que ela não tinha escolha.

– Sente-se ao meu lado – disse Roiben. – Me diga o que posso fazer para consertar as coisas entre nós.

– Você destruiu tudo o que eu amava – Ethine disse a ele. – Não há Corte das Flores sem Silarial. Talathain está perdido e, o pior de tudo, você estava irreconhecível em sua crueldade. Achei que conhecia você, mas não conhecia. E também não tenho certeza se conhecia Silarial.

– Você não vai querer ouvir isso – disse Roiben. – Mas eu senti o mesmo uma vez. Quando percebi que ela sabia o que eu passaria onde estava me enviando, que ela não se importava o bastante...

– Mas ela não poderia saber! – Ethine protestou.

– Ela sabia. – Roiben deu um longo suspiro. – Elas eram irmãs, por exemplo, e muito parecidas. Gosto de acreditar que doeu um pouco desistir de mim. Mas ela tinha conseguido Nephanael na barganha, e ele era mais leal a ela do que qualquer uma das duas fingia ser. E de longe um estrategista melhor. Com ele ao seu lado, ela derrubou a Corte Unseelie. Se Kaye não o tivesse envenenado, imagino que ele teria passado tudo para as mãos da amante. Ela quase teve as duas cortes.

Ethine apertou os lábios em uma linha fina.

– Você poderia ter passado adiante. Poderia ter abaixado à cabeça e apresentado a ela a Corte Unseelie, como a maior joia de sua coroa. Ela teria feito de você seu consorte. Talvez vocês pudessem até mesmo ter se casado e governado juntos.

Os cantos dos olhos de Roiben enrugaram.

– Você disse isso uma vez. Mas é difícil ser amado apenas pelo dote.

– Não é brincadeira!

– Então, deixe-me ser o mais franco possível. Eu amo outra. Me entende? Não foi apenas orgulho, raiva ou qualquer outra coisa de que você me acusa, embora eu as sentisse em toda a sua extensão. Eu não teria sido consorte de Silarial, não teria sido se eu desse a ela a Corte Unseelie. Não teria sido se eu curvasse minha cabeça e me humilhasse. Não teria sido se ela me implorasse.

Isso assustou Ethine. Ela olhou para Roiben como se mais uma vez ele fosse totalmente desconhecido.

– Mas você não pode estar falan...

– Eu falo sério. Eu amo Kaye com todo o meu coração. E se você pensa bem ou mal disso, é a verdade mais verdadeira que já falei. Silarial não era a pessoa que você pensava que era, e você está com raiva de mim por saber disso. A única coisa boa que teria feito curvar minha cabeça para ela seria permitir que você ficasse de olhos fechados.

Lutie esperava que Ethine protestasse contra isso, mas ela não o fez.

– Eu te machuquei –, disse ele. – No duelo. Mas não é por isso que está com raiva, não é? Você não consegue me perdoar pela morte de Silarial.

– Você deseja me lembrar que fui eu quem a assassinou – disse Ethine. – Como se eu pudesse esquecer.

– Não desejo lembrá-la de nada. Não fui eu quem te procurou. É Kaye quem não consegue deixar as coisas quietas como estão.

Lutie pensou que palavras mais verdadeiras nunca foram ditas.

– Mesmo assim diz que a ama ! – Ethine protestou.

– Sim, amo Kaye. E também, eu a conheço. – Roiben deu um sorrio honesto. – Assim como eu conheço e amo você.

– Você está bravo comigo? – Ethine perguntou em uma voz muito baixa. – Por levar Silarial embora para sempre?

Ele sacudiu a cabeça, fechando os olhos, como se não pudesse suportar olhar para ela enquanto falava.

– Fiquei aliviado por ser poupado da escolha que você fez.

Por um momento, eles apenas ficaram sentados juntos em silêncio. Depois de um tempo, Ethine pegou sua mão e ele a deixou pegá-la, então levou os dedos entrelaçados ao coração dele.

Finalmente, ele disse:

– Então, irmã. O que devo fazer aqui? Este é o seu povo agora.

– Eu sei o que você vai dizer sobre abaixar a cabeça – disse Ethine. – Mesmo que seja por minha causa. Não vamos repetir o que é passado.

– O que acontece se eu não jurar lealdade a Grande Corte? – ele perguntou. – Deixe-me ser mais específico: o que eles farão com você?

– Não sei – Ethine respondeu com a voz tão baixa que Lutie a entendeu mais pelo movimento dos lábios do que por qualquer outra coisa.

Roiben soltou a mão da irmã e levantou.

– Príncipe Balekin – ele chamou. – Tive uma conversa com minha irmã. Agora vamos ao ponto da questão. Apareça. Irei fazer uma barganha com você.

Demorou um pouco, mas as portas se abriram e Balekin entrou. Estava tentando parecer confiante, mas algo em seu jeito mostrava que estava preocupado. Ele deveria estar mesmo. Lutie já tinha visto Roiben lutar. Ele tinha vindo sozinho, assim como ela dissera em seu bilhete estúpido, mas o tinha visto cortar mais guardas do que Balekin tinha a seu serviço.

Claro, matar o príncipe mais velho de Elfhame provavelmente significaria guerra.

– Então – disse Balekin. – Qual barganha propõe?

– Ah, deseja encena uma cena. Direi que desejo levar minha irmã para casa comigo. Você vai me lembrar que ela pertence aqui e que você é um príncipe. Talvez acrescente algumas coisas ameaçadora sugerindo que não será um bom guardião caso eu não aceite. Como se eu não pudesse enxergar que você a tratou de modo tão sórdido.

– Ela teve todas as honras da minha casa – protestou Balekin.

– E agora estou aqui para desatar o arame de sua gaiola – disse Roiben. – Deixe-me adivinhar. Você deseja a lealdade da Corte dos Cupins.

Ethine se levantou do sofá.

– Espere. Roiben. – Ela pôs uma mão em alerta em seu braço.

Lutie prendeu a respiração. O que ela tinha feito? Não só arruinou a missão, mas roubou a soberania da Corte dos Cupins. Kaye nunca a perdoaria. Ah, isso era muito, muito ruim.

Roiben se virou para Ethine.

– Você acha que foi o orgulho que me impediu de abaixar a cabeça, mas nunca foi. – Então ele olhou para Balekin. – Você libera todas as revindicações sobre ela se eu concordar que a Corte dos Cupins jure lealdade a Grande Corte?

Balekin franziu o cenho, como se tentasse descobrir como havia perdido o controle da situação.

– Sim... 

– Feito – disse Roiben, com a voz afiada. Ele olhou para cima. – Lutie, talvez você prefira viajar no bolso do meu casaco? É forrado de veludo.

– Espere! – interrompeu Balekin. – Precisamos ir até meu pai e contar-lhe as novidades. Você deve ir e fazer o juramento e contar a ele sobre meu papel nisso. Este é o meu triunfo.

– Vamos embora, então – disse Roiben, oferecendo o braço à irmã. Ela pôs a mão na dele e eles caminharam pela propriedade de Balekin, passando por seus guardas e saindo pelas portas. Balekin chamou os cavalos.

Lutie lamentou ter sempre pensado em Roiben como um belo assassino. Ela se lançou para baixo, grata por ele não querer esmagá-la. Ainda mais grata por não querer deixá-la para trás.

– Isso é tudo culpa sua – disse Ethine a Lutie.

– Eu sei – Lutie respondeu tristemente.

– Não faz sentido – disse Roiben. – Lutie-loo me enviou uma mensagem muito esperta. Sabe o que é código acróstico? Os mortais gostam muito deles. Crianças os usam para escrever poemas na escola, usando as iniciais dos nomes.

– Do que você está falando? – perguntou Balekin. – Eu mesmo li essa carta.

– Sim, com certeza leu, já que imagino que você a forçou a escrever. Mas notou as iniciais de cada uma das frases? – indagou Roiben. – N-O-S-S-O-M-O-S-R-E-F-E-N-S. Somos reféns. Como eu disse, esperta.

– Mas se você sabia – então por que veio sozinho? – gritou Ethine. – Por que se colocar sob o poder dele?

Roiben deu a ela um sorriso honesto. Um pouco presunçoso.

– Eu não estou. Dulcamara e Ellebere estão comigo. E não vou visitar o Grande Rei Eldred com você, Príncipe Balekin. Como pode perceber, eu já estive lá. Com seu irmão Dain. Já dei a ele minha lealdade – se ele vier a se tornar o Grande Rei, concordei em jurar a ele e somente a ele.

– Não – os olhos de Balekin se arregalaram. – Como? – Seus dedos alcançaram o interior do casaco, como se buscassem uma lâmina.

Mas, ao fazer isso, das sombras vieram os cavaleiros de Roiben. Dulcamara com suas asas esqueléticas, cabelo vermelho rubi e sorriso feroz. Ellebere com sua armadura insectóide. E atrás deles, cavaleiros de Elfhame.

– Irmão – disse um homem que só poderia ser o Príncipe Dain.

Roiben não esperou para ouvir o que eles diriam um ao outro. Ele e Ethine foram em direção a Dulcamara e, minutos depois, estavam todos sob o céu em corcéis feitos de fumaça correndo pela escuridão. O forro de veludo era macio ao redor de Lutie, aquecido pelo calor do corpo que o vestia. Ela ergueu os olhos do bolso de Roiben e observou as estrelas brilharem sobre sua cabeça.

***

De volta a Nova York, Kaye estava montando uma festa em miniatura para Lutie. Cobriu dois tijolinhos para fazer uma mesa de banquete, colocou-a em cima da sua própria mesa de jantar e arrumou-a com comidinhas. Um cupcake em cima de um espelho de pó compacto prateado. Uma única asinha de frango caramelizada em um pires infantil, a asa era tão grande para Lutie quanto um peru inteiro. Três framboesas e um mirtilo recheando uma lichia recém-descascada. E então, ao redor, comida para todos os outros.

– Parabéns! – disse Kaye. – Você conseguiu sair da Grande Corte e impediu um golpe. Muito bom para uma primeira missão.

Kaye convidou Ravus e Val, que Kaye sabia que estava grávida. Corny e Luis também estavam lá. E Roiben, que parecia surpreso com sua própria felicidade. Sem Ethine, mas tudo bem. Ela tinha, aparentemente, viajando para a parte da Corte dos Cupins que um dia fora a Corte das Flores. Talvez procurando por Talathain. Talvez apenas voltando a fazer coisas de cortesãos. Lutie estava feliz por não tê-la ali tornando as coisas estranhas.

– Vai pedir uma bênção para mim? – perguntou Roiben.

Lutie se recompôs. Pensou no que o terrível príncipe havia dito a ela na gaiola, sobre sprites não servirem para nada. E pensou em como o trabalho tinha mesmo sido difícil, muito mais difícil do que pensava.

– Quero outra missão – disse Lutie.

Seus olhos se apertaram divertidamente, temendo que ele fosse rir. Ela prendeu a respiração.

– Não pedi para que se atribuísse um novo tormento – disse Lorde Roiben, da Corte dos Cupins. – Mas quem sou eu para contestar um pedido tão generoso? Considere isso feito.

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