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Ilustração: Rhys, Ernest. Fairy Gold: A Book of Old English Fairy Tales. Herbert Cole, ilustrador. London: J. M. Dent & Sons, [1906]. |
O senhor Fox – Mr. Fox no original – é um conto inglês, este é a mais antiga versão conhecida da história do "Barba Azul". A obra está presente no livro English Fairy Tales do escritor Joseph Jacobs.
O senhor Fox
Lady Mary era jovem, lady Mary era bela. Tinha dois irmãos e mais pretendentes do que conseguiria contar. Mas, de todos eles, o mais corajoso e garboso era um certo senhor Fox, que ela conhecera quando estava na casa de campo do seu pai. Ninguém sabia quem era o senhor Fox; mas com certeza ele era corajoso e certamente rico, e, de todos os seus pretendentes, lady Mary só se importava mesmo com ele. Finalmente eles chegaram à conclusão de que deveriam se casar. Lady Mary perguntou ao senhor Fox onde iam morar, e ele lhe descreveu seu castelo, e foi só. Mas, o que é muito estranho, ele não a convidou, nem aos seus irmãos, para visitá-lo.
Certo dia, já perto do casamento, quando os seus irmãos estavam fora e o senhor estava ausente por dois ou três dias em viagem de negócios, segundo ele dissera, lady Mary partiu para o castelo dele. Depois de muito procurar, finalmente chegou lá, e era uma bela e forte construção, com altas muralhas e um fosso profundo. Quando ela chegou ao portão de entrada, viu nele uma inscrição:
SEJA OUSADO, SEJA OUSADO.
Como o portão estava aberto, ela entrou por ele, e não encontrou ninguém lá. Então avançou até a entrada, e no alto estava escrito:
SEJA OUSADO, MAS NÃO TÃO OUSADO.
PARA QUE SEU CORAÇÃO NÃO BOMBEIE SANGUE FRIO.
Mas lady Mary era uma mulher ousada, e ela abriu a porta — e o que vocês acham que ela viu? Ora, corpos e esqueletos de belas jovens manchados de sangue. Então lady Mary pensou que já era hora de sair daquele lugar horrível; fechou a porta, atravessou a galeria e, quando estava começando a descer as escadas a caminho do saguão, avistou nada mais, nada menos do que o senhor Fox arrastando uma bela jovem através do portão, a caminho da porta. Lady Mary se precipitou escada abaixo e conseguiu se esconder atrás de um barril bem na hora em que o senhor Fox entrou com a pobre jovem, que parecia ter desmaiado. Ao chegar perto de lady Mary, o senhor Fox viu um anel de diamante brilhando no dedo da jovem que estava arrastando e tentou tirá-lo. Mas o anel estava muito justo no dedo e não queria sair, então o senhor Fox xingou, praguejou, sacou a espada, ergueu-a no ar e golpeou a mão da jovem infeliz. A espada cortou a mão fora, esta saltou no ar e, de todos os lugares possíveis, não é que foi parar senão no colo de lady Mary? O senhor Fox procurou por um instante, mas não pensou em olhar atrás do barril, e por fim continuou arrastando a jovem escada acima, levando-a para a Câmara Ensanguentada.
Tão logo o ouviu atravessando a galeria, lady Mary saiu furtivamente pela porta, passou pelo portão e correu para casa o mais rápido que pôde.
Aconteceu então que já no dia seguinte se deveria assinar o contrato de casamento entre lady Mary e o senhor Fox, e houve um esplêndido desjejum antes da cerimônia. Quando o senhor Fox estava sentado à mesa, no lado oposto ao de lady Mary, ele olhou para ela.
– Como você está pálida esta manhã, minha querida.
– Sim –, disse ela. – Passei uma noite muito ruim. Tive sonhos horríveis.
– Os sonhos tem significado ao contrário –, disse o senhor Fox. – Mas nos conte o seu sonho, e a sua doce voz fará o tempo passar até a chegada da hora venturosa.
– Sonhei –, disse lady Mary, – que fui ontem de manhã ao seu castelo e o encontrei no meio do bosque, cercado de altas muralhas e de um fosso profundo. E acima do portão estava escrito:
SEJA OUSADO, SEJA OUSADO.
– Mas não é assim, nem foi assim –, disse o senhor Fox.
– E, quando cheguei à porta, lá no alto estava escrito:
SEJA OUSADO, SEJA OUSADO, MAS NÃO TÃO OUSADO.
– Não é assim, nem foi assim –, disse o senhor Fox.
– Quando subi as escadas, cheguei a uma galeria que terminava numa porta em que se lia:
SEJA OUSADO, MAS NÃO TÃO OUSADO
PARA QUE SEU CORAÇÕ NÃO BOMBEIE SANGUE FRIO
– Não é assim, nem foi assim –, disse o senhor Fox.
– E então... e então abri a porta, e o quarto estava cheio de corpos e de cadáveres de pobres mulheres, todos manchados com seu próprio sangue.
– Não é assim, nem foi assim. E Deus nos livre de ser assim –, disse o senhor Fox.
– Então sonhei que fugi pela galeria e ao descer as escadas eu o vi, senhor Fox, aproximando-se da entrada do saguão, arrastando atrás de si uma pobre jovem, rica e bela.
– Não é assim, nem foi assim. E Deus nos defenda de ser assim –, disse o senhor Fox.
– Desci a escada correndo e apenas tive tempo de me esconder atrás de um barril, quando o senhor, senhor Fox, entrou arrastando a jovem pelo braço. E, quando o senhor passou por mim, senhor Fox, pensei tê-lo visto tentar tirar o anel de diamante da jovem e, como não conseguiu, senhor Fox, pareceu-me em meu sonho que o senhor sacou a espada e decepou a mão da jovem para tirar o anel.
– Não é assim, nem foi assim. E Deus nos defenda de ser assim –, disse o senhor Fox, e estava prestes a dizer mais alguma coisa enquanto se levantava da cadeira, quando lady Mary gritou:
– Mas é assim e foi assim. Aqui estão a mão e o anel que tenho para mostrar.
E lady Mary tirou de dentro do vestido a mão da jovem, apontando-a direto para o senhor Fox.
Imediatamente seus irmãos e amigos sacaram suas espadas e cortaram o senhor Fox em mil pedaços.
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Ilustração: John Batten |
Ao ver o buraco que a raposa abriu" – diz a jovem da versão de "O senhor Fox" contada por Vance Randolph nas montanhas Ozark, no Arkansas, em princípios da década de 40.
"Depois disso, a pobre Elsie não queria ficar com ninguém, porque imaginava que todos os homens são filhos-da-puta. Então ela nunca se casou e ficou morando perto dos parentes. Evidentemente eles ficaram contentes de tê-la por perto."
A forma de contar histórias no Arkansas é descontraída, leve, confidencial; o contador de histórias procura levá-lo à suspensão da descrença. O conto de fadas está se transformando, de forma quase imperceptível, numa história cheia de exageros difíceis de engolir, em que a mentira deslavada é dita com a cara mais limpa, só pelo prazer de dizê-la.
Mas esta história já era antiga quando os primeiros colonos ingleses atravessaram o Atlântico nos séculos XVI e XVII, levando consigo sua invisível bagagem de histórias e canções; Benedick, em Muito barulho por nada, menciona a negativa hipócrita do senhor Fox: "Como na velha história, meu Senhor, 'Não é assim, nem foi assim. E Deus nos livre que fosse assim'" (primeiro ato, cena 1). Esse senhor Fox foi originalmente publicado na edição crítica de Shakespeare de 1821 para elucidar essa mesma passagem, o que provavelmente explica o "sabor" literário do texto.
Esperteza, ganância e covardia fazem do nome fox ["raposa"] um termo proverbial na tradição popular, embora na China e no Japão se acredite que as raposas possam assumir a forma de uma mulher bonita (cf. a gíria americana usa as palavras fox e vixen [raposa fêmea] para descrever uma mulher atraente). O fato de nesta história a raposa assumir a forma de um assassino psicopata e seus desdobramentos causam um frisson extra nos velhos leitores de literatura infantil na Inglaterra, que se lembram do "senhor raposo", que queria devorar Jemima Puddleduck. (Joseph Jacobs, English fairy tales [Londres, 1895].)
Ilustrações de Herbert Cole (london j.m 1906)
Ótimo conto! Obrigada por me apresentar a ele. Gostei! Já havia ouvido falar, mas nunca lido. Bem, legal!
ResponderExcluirUm belo de um serial killer esse senhor Fox. Adorei.
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