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The Queen of Nothing - Capítulo Três


Meus músculos enrijecem quase imediatamente, e a ideia de pedalar até em casa faz me sentir tão cansada que simplesmente preferiria deitar na calçada, então pego o ônibus. Recebo vários olhares feios de passageiros impacientes enquanto prendo minha bicicleta no suporte da frente, mas quando as pessoas percebem que estou sangrando, elas decidem apenas me ignorar.

Minha percepção diária fica confusa no mundo humano. Em Faerie, cambalear até em casa ao amanhecer é o equivalente a cambalear até em casa à meia-noite para os mortais. Mas no mundo humano, espera-se que a luz brilhante da manhã expulse a escuridão. É um horário virtuoso, para os que acordam cedo, não para os mal intencionados. Uma mulher idosa com um chapéu rosa bonito me passa alguns lenços sem comentar, o que eu agradeço. Os uso para me limpar da melhor forma possível. Durante o restante da viagem, olho pela janela, para o céu azul, sofrendo e sentindo pena de mim mesma. Remexo meus bolsos e encontro quatro aspirinas. As engulo em um único gole amargo.

Seu Grande Rei será destronado antes da próxima lua cheia. O que você acha disso?

Tento dizer a mim mesma que não me importo. Que ficaria contente se Elfhame acabasse dominada. Cardan tem muitas outras pessoas para avisá-lo do que está por vir. Há a Corte das Sombras e metade das suas forças armadas. Os governantes das cortes inferiores, todos que juraram lealdade a ele. Todo o Conselho ainda vivo. Mesmo um novo senescal, caso tenha se preocupado em nomear um.

Não quero imaginar outra pessoa ao lado de Cardan no meu lugar, mas de algum modo minha mente vagueia ociosamente entre as piores escolhas. Ele não pode escolher Nicasia, porque ela já é a Embaixadora da Corte Submarina. Não vai escolher Locke, porque ele já é o Mestre da Diversão, e por ser insuportável. E não Lady Asha, porque... porque ela seria horrível. Consideraria o trabalho chato e trocaria a influência dele por qualquer coisa que a beneficiasse mais. Certamente ele sabe que não deveria escolhê-la. Mas talvez não saiba. Cardan tende a ser imprudente. Talvez ele e sua mãe malvada e descuidada zombem da linhagem Greenbriar e da Coroa de Sangue. Espero que sim. Espero que todos se arrependam e ele, acima de tudo, ele.

E então Madoc marchará até o trono e assumirá a coroa.

Pressiono minha testa contra o vidro frio e me lembro de que não é mais problema meu. Em vez de tentar – e falhar – não pensar em Cardan, tento não pensar em nada.

Acordo com alguém balançando meu ombro.

– Ei, mocinha –, diz o motorista, a preocupação gravada nas linhas do rosto. – Mocinha?

Houve um tempo em que minha faca estaria em minha mão e pressionada na garganta dele antes que terminasse. Percebo, grogue, que nem tenho minha faca. Esqueci de procurar ao redor do prédio de Grima Mog e recuperá-la.

– Estou acordada –, aviso parecendo não muito convincente, esfregando meu rosto com uma mão.

– Por um minuto, pensei que tivesse desmaiada. – Ele franze a testa. – Tem muito sangue. Quer que eu ligue para alguém?

– Estou bem – digo. Percebo que o ônibus está quase vazio. – Eu passei da minha parada?

– Estamos nela. – Ele parece que quer insistir em me ajudar. Então balança a cabeça com um suspiro. – Não esqueça a bicicleta.

Estava com os músculos rígidos antes, mas nada como agora. Cambaleio pelo corredor parecendo uma mulher planta puxando suas raízes do chão pela primeira vez. Meus dedos se atrapalham com a mecânica de tirar minha bicicleta da frente e noto a mancha de ferrugem em meus dedos. Me pergunto se apenas limpei o sangue no meu rosto na frente do motorista do ônibus e toquei minha bochecha de forma consciente. Não sei dizer.

Mas então minha bicicleta está no chão e sou capaz de andar pela grama em direção ao prédio de apartamentos. Vou largar a bicicleta nos arbustos e correr o risco de ser roubada. Prometo para mim, o que leva a maior parte do caminho até em casa, quando vejo alguém sentado na varanda. O cabelo rosa brilhando à luz do sol. Ela levanta um copo de café em saudação.

– Heather? – digo, mantendo distância. Considerando a forma que o motorista do ônibus olhou para mim, mostrar meus novos cortes e machucados parece uma má ideia.

– Eu estou tentando criar coragem para bater na porta.

– Ah – digo, inclinando a bicicleta na grama. Os arbustos estão muito longe. – Bem, você pode simplesmente entrar comigo e...

– Não! – Ela me interrompe, e então percebendo o quão alto isso saiu, abaixa a voz. – Não sei se vou.

Olho para ela novamente, percebendo o quão cansada parece, o quão desbotado está o rosa de seus cabelos, como se não tivesse se dado ao trabalho de pintar novamente.

– Há quanto tempo você está aqui fora?

– Não faz muito tempo. – Ela olha para longe de mim e encolhe os ombros. – Venho aqui algumas vezes. Para ver como me sinto.

Com um suspiro, desisto da ideia de esconder que me machuquei. Ando até as escadas, depois caio sentada em um degrau, cansada demais para ficar de pé.

Heather se levanta.

– Jude? Ah não, ah santo... O que... O que aconteceu com você. – exige ela. Eu estremeço. A voz dela é muito alta.

– Shhhh! Pensei que não quisesse que Vivi soubesse que você está aqui – eu a lembro. – De todo modo, não parece pior do que é. Eu só preciso de um banho e alguns curativos. E um bom dia de sono.

– Tudo bem – diz ela, de certo modo que me faz pensar que não acredita em mim. – Deixe-me ajudá-la a entrar. Por favor, não se preocupe comigo tropeçando ao ver sua irmã ou o qualquer coisa do tipo. Você está seriamente machucada. Nem deveria ficar aqui conversando comigo!

Balanço a cabeça, levantando a mão para afastar sua oferta.

– Eu vou ficar bem. Só me deixe sentar por um minuto.

Ela olha para mim, preocupação em guerra com seu desejo de adiar o inevitável confronto com Vivi por mais tempo.

– Pensei que você ainda estivesse naquele lugar? Você se machucou lá? 

– No Reino das Fadas? – Gosto de Heather, mas não vou fingir sobre o mundo em que cresci porque ela odiou o lugar. – Não. Foi aqui. Estou morando com Vivi. Tentando descobrir as coisas. Mas se você voltar, eu posso praticamente me tornar invisível.

Ela olha para os joelhos. Morde um canto de uma unha. Balança a cabeça.

– O amor é estúpido. Tudo o que fazemos é partir o coração um do outro.

– Sim –, concordo, pensando novamente em Cardan e em como entrei na armadilha que preparou para mim, como se eu fosse uma tola que nunca ouviu uma balada na vida. Não importa quanta felicidade eu deseje para Vivi, não quero que Heather seja o mesmo tipo de tola. – Sim, não. O amor pode ser estúpido, mas você não deve ser. Sei da mensagem que você enviou à Vivi. Você não pode continuar com isso.

Heather toma um longo gole de seu café.

– Eu tenho pesadelos. Sobre esse lugar. Fadas. Não consigo dormir. Olho as pessoas na rua e me pergunto se elas estão encantadas. Este mundo já tem monstros suficientes, pessoas suficientes que querem tirar vantagem de mim ou me machucar ou tirar meus direitos. Não preciso saber que existe outro mundo cheio de monstros.

– Então, não saber é melhor? – Pergunto.

Ela faz uma careta e fica calada. Então, quando fala novamente, olha para mim, como se estivesse olhando para o estacionamento.

– Nem consigo explicar para meus pais o porquê de Vee e eu estarmos brigadas. Eles ficam me perguntando se ela tem outra pessoa ou se ter Oak por perto era demais, como se eu não conseguisse lidar com uma criança, em vez de seja lá o que ele for.

– Ele ainda é uma criança –, digo.

Odeio ter medo de Oak –, diz ela. – Eu sei que isso machuca os sentimentos dele. Mas eu também odeio que ele e Vee tenham magia, magia que ela poderia usar para vencer todas as discussões que poderíamos ter. Magia para me deixar obcecada por ela. Ou me transforme em um pato. E nem sequer considero o porquê eu estou atraída por ela em primeiro lugar.

Franzo a testa

– Espera, o que?

Heather se vira para mim.

– Você sabe o que faz as pessoas se amarem? Bem, mais ninguém sabe, também. Mas os cientistas o estudam, e há todo esse material bizarro sobre feromônios e simetria facial e circunstâncias em que vocês se conhecem. As pessoas são estranhas. Nossos corpos são estranhos. Talvez eu não consiga deixar de ser atraída por ela da mesma forma que moscas não conseguem deixar de ser atraídas por plantas carnívoras.

Faço um som incrédulo, mas as palavras de Balekin ecoam em meus ouvidos. Ouvi dizer que, para os mortais, o sentimento de se apaixonar é muito parecido com o sentimento de ter medo. Talvez ele estivesse mais certo do que eu queria acreditar.

Especialmente quando considero meus sentimentos por Cardan, já que não havia uma boa razão para eu ter tido algum sentimento por ele.

– Tudo bem – diz Heather, – Sei que eu pareço ridícula. Eu me sinto ridícula. Mas também sinto medo. E ainda acho que devemos entrar e fazer um curativo em você.

– Faça Vivi prometer não usar magia em você – digo. – Eu posso ajudá-la a dizer exatamente as palavras certas e depois... – Paro de falar quando vejo que Heather está me olhando com tristeza, talvez porque acreditar em promessas pareça infantil. Ou talvez a ideia de se vincular a Vivi com uma promessa mágica seja o suficiente para assustá-la mais ainda.

Heather respira fundo.

– Vee me disse que cresceu aqui, antes de seus pais serem assassinados. Lamento mencionar isso, mas sei que ela está traumatizada. Quero dizer, é claro que ela está. Qualquer um estaria. – Ela respira fundo. Está esperando para ver como eu reajo.

Penso nas palavras dela enquanto estou sentada na escada, os cortes no meu lado recomeçam a sangrar lentamente. Qualquer pessoa estaria. Não, eu não, nem um pouco traumatizada.

Lembro-me de uma Vivi muito mais nova, que ficava furiosa o tempo todo, que gritava e quebrava tudo o que tocava. Quem me dava um tapa sempre que deixava Madoc me segurar em seus braços. Que parecia que derrubaria o corredor inteiro com sua raiva. Mas foi há muito tempo. Todos nós cedemos à nossa nova vida; era apenas uma questão de quando.

Não digo nada disso. Heather respira fundo.

– O problema é, que eu me pergunto, sabe, se ela está brincando casinha comigo. Fingindo que a vida é do jeito que ela queria. Fingindo que nunca descobriu quem era e de onde vinha.

Estendo a mão e pego a mão de Heather.

– Vivi ficou tanto tempo no Reino das Fadas por mim e Taryn – digo. – Ela não queria estar lá. E a razão pela qual ela finalmente saiu foi por sua causa. Porque ela ama você. Então, sim, Vivi tomou o caminho mais fácil para não explicar as coisas. Ela definitivamente deveria ter lhe contado a verdade sobre o Reino das Fadas. E ela nunca deveria ter usado magia em você, mesmo que estivesse em pânico. Mas agora você sabe. E acho que você tem que decidir se consegue perdoá-la.

Ela começa a dizer algo, depois para.

Você, perdoaria? – Ela pergunta finalmente.

– Eu não sei – digo, olhando para os meus joelhos. – Atualmente, não sou o tipo de pessoa que costuma perdoar.

Heather se levanta.

– Tudo bem. Você já descansou. Agora levante-se. Você precisa entrar e se encharcar de Neosporin. Você provavelmente deveria ir ao médico, mas eu sei o que você vai dizer.

– Você está certa – concordo. – Certa sobre tudo. Sem médicos. – Rolo de lado para tentar me levantar, e quando Heather vem me ajudar, a deixo. Eu até inclino meu peso nela enquanto nós mancamos até a porta. Desisti de ser orgulhosa. Como Bryern me lembrou, eu não sou ninguém especial.

Heather e eu passamos juntas pela cozinha, passando pela mesa com a tigela de cereal de Oak, ainda meio cheia de leite cor-de-rosa. Duas canecas de café vazias descansam ao lado de uma caixa de Froot Loops. Percebo o número de canecas antes que meu cérebro dê sentido a esse detalhe. Assim que Heather me ajuda a entrar na sala, percebo que devemos ter um convidado.

Vivi está sentada no sofá. Seu rosto se ilumina quando vê Heather. Ela a olha como alguém que acabou de roubar a magnífica harpa falante de um gigante e sabe que as consequências estão além do horizonte, mas não consegue se importar. Meu olhar vai para a pessoa ao lado dela, sentada em um vestido fantasioso de Elfhame, de teia de aranha e fios de vidro. Minha irmã gêmea, Taryn.


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9 Comentários

  1. Toda vez que a irmã da Jude aparece me sobe um ranço. Ansiosa pelo próximo cap. Obrigada por traduzir e pelo seu esforço e trabalho.

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  2. obrigada pela degustação. espero q continue a tradu. não, estou implorando... pleaseeeee.

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  3. Vc tem o pdf em inglês? Se tiver me envie. Obrigada!!!

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  4. Vc tem o pdf em inglês? Se tiver me envie. Obrigada!!! brigidaloanda@gmail.com

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  5. Sinceramente tenho muito ranço dessa irmã dela, tenho um pouco das duas, mas de Taryn muito mais. Muito obrigada pela tradução

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  6. A coisa começou a ficar tensa

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  7. Você é um anjo na minha vida , a tradução está perfeita

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  8. Você é um anjo na minha vida , a tradução está perfeita

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