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The Queen of Nothing - Capítulo Quatro

Adrenalina inunda meu corpo, apesar da minha rigidez, dor e machucados. Gostaria de por minhas mãos em volta do pescoço de Taryn e apertar até que a cabeça dela saia.

Vivi está de pé, talvez por causa do meu olhar assassino, mas provavelmente porque Heather está ao meu lado.

– Você – digo a minha irmã gêmea. – Saia.

– Espere – diz Taryn, também de pé. – Por favor. – Agora estamos todas de pé, olhando uma para a outra através da pequena sala de estar como se estivéssemos prestes a brigar.

– Não há nada que eu queira ouvir da sua boca mentirosa. – Estou satisfeita por ter um alvo para todos os sentimentos que Grima Mog e Heather despertaram. Um alvo merecedor. – Saia, ou vou expulsá-la.

– O apartamento é de Vivi –, rebate Taryn.

– Este apartamento é meu –, Heather nos lembra. – E você está machucada, Jude.

– Eu não ligo! E se todos vocês querem ela aqui, então posso ir embora! – Com isso, me viro e forço a voltar para a porta e descer as escadas.

A porta de tela bate. Então Taryn corre na minha frente, seu vestido soprando na brisa da manhã. Se eu não soubesse como era uma verdadeira princesa de Faerie, acharia que ela se parecia com uma. Por um momento, parece impossível que somos parentes, nem um pouco parecidas.

– O que aconteceu com você? – pergunta ela. – Parece que você entrou em uma briga.

Não digo nada. Apenas continuo andando. Nem tenho certeza para onde estou indo, de tão lenta, rígida e dolorida que estou. Talvez até Bryern. Ele vai me achar um lugar para ficar, mesmo que não goste do preço mais tarde. Até mesmo ficar com Grima Mog seria melhor que isso.

– Eu preciso da sua ajuda –, diz Taryn.

– Não –, rebato. – Não. Absolutamente não. Nunca. Se foi por isso que você veio, agora já tem sua resposta e pode ir.

– Jude, só me ouça. – Ela caminha na minha frente, fazendo-me ter que olhar para ela. Olho para cima e dou a volta pelas saias ondulantes de seu vestido.

– Também não –, respondo. – Não, não vou ajudá-la. Não, não vou ouvir você explicar por que eu deveria. É realmente uma palavra mágica: não. Você diz o que quiser, e eu digo não.

– Locke está morto – ela deixa escapar.

Me viro. Acima de nós, o céu é brilhante, azul e límpido. Os pássaros chamam uns aos outros das árvores próximas. Ao longe, há o som da construção e do tráfego. Nesse momento, a justaposição de permanecer no mundo mortal e ouvir sobre a morte de um ser imortal – um que eu conhecia, que beijei – é especialmente surreal.

– Morto? – Parece impossível, mesmo depois de tudo que vi. – Tem certeza?

Na noite anterior ao casamento, Locke e seus amigos tentaram me caçar como um bando de cães perseguindo uma raposa. Prometi me vingar. Se ele estiver morto, nunca terei minha vingança.

E ele nunca mais planejará outra festa com propósito de humilhar Cardan. Não vai mais rir com Nicasia nem jogar Taryn e eu uma contra a outra novamente. Talvez deva ficar aliviada, por todos os problemas que ele causou. Mas estou surpresa por sentir tristeza.

Taryn respira fundo, como se estivesse se preparando.

– Ele está morto porque eu o matei.

Sacudo a cabeça, como se fosse me ajudar a entender o que está dizendo.

O quê?

Ela parece mais envergonhada do que qualquer outra coisa, como se estivesse confessando algum tipo de acidente idiota em vez de ter assassinado o marido. Lembro-me desconfortavelmente de Madoc, de pé diante de três crianças berrando um estante depois de ele derrubar seus pais, a surpresa no rosto dele. Como se não tivesse pretendido ir tão longe. Me pergunto se é assim que Taryn se sente.

Sei que eu cresci sendo mais parecida com Madoc do que me sinto confortável, mas nunca pensei que ela e ele fossem parecidos.

– E eu preciso que você finja ser eu –, ela finaliza, sem aparentar preocupação por sugerir o truque que permitiu Madoc me sujar com metade do exército de Cardan, o truque que me condenou a concordar com o plano que me trouxe ao exílio, seja de mau gosto. – Só por algumas horas.

– Por quê? – começo, e então percebo que não estou sendo clara. – Não é a parte de fingir. Quero dizer, por que você o matou?

Ela respira, então olha de volta para o apartamento.

– Entre, e eu vou te contar. Eu vou te contar tudo. Por favor, Jude.

Olho para o apartamento e relutantemente admito que não tenho mais para onde ir. Não quero ir até Bryern. Quero voltar para dentro e descansar na minha própria cama. E, apesar de exausta, não posso negar que a perspectiva de esgueirar-me por Elfhame fingindo ser Taryn tem apelo inquietante. O próprio pensamento de estar lá, de ver Cardan, faz meu coração acelerar.

Pelo menos ninguém está a par dos meus pensamentos. Por mais estúpidos que sejam, continuam sendo meus.

Lá dentro, Heather e Vivi estão de pé em um canto da cozinha perto da cafeteira, tendo uma conversa intensa que não quero perturbar. Pelo menos estão finalmente conversando. Isso é uma coisa boa. Vou para o quarto de Oak, onde as poucas roupas que tenho são enfiadas na gaveta de baixo da cômoda. Taryn me segue, franzindo a testa.

– Vou tomar um banho –, digo a ela. – E passar um pouco de pomada em mim. Você vai à cozinha me fazer um chá mágico de arnica. Então eu estarei pronta para ouvir sua confissão.

– Me deixe ajudá-la –, diz Taryn com um balanço exasperado de cabeça quando estou prestes a contestar. – Você não tem ninguém para ajudar.

– Nem armadura para o ajudante polir –, rebato, mas não luto quando ela levanta minha camisa sobre membros doloridos. Está duro de sangue, e estremeço quando ela a tira. Inspeciono meus cortes pela primeira vez, carne viva, vermelhos e inchados. Suspeito que Grima Mog não mantenha as lamina tão limpas quanto eu gostaria.

– Vivi disse uma coisa –, ela comaça lentamente. – Na noite antes do meu casamento. Você estava atrasada e, quando chegou, estava quieta e pálida. Cansada. Eu estava preocupada se era porque você ainda amava ele, mas Vivi insistiu que não era verdade. Ela disse que você se machucou.

Concordo com a cabeça – Eu me lembro daquela noite.

– Locke... fez alguma coisa? – Ela não está olhando para mim agora. Seu olhar está nos azulejos, depois em um desenho emoldurado que Oak fez de Heather, giz de cera marrom na pele sangrando e rosa no seus cabelos.

Pego o sabonete de corpo que Vivi compra na loja de orgânicos, aquela que deveria ser naturalmente antibacteriana, e o esfrego generosamente sobre o sangue seco. Cheira a alvejante e arde como o inferno.

– Você quer dizer, se ele tentou me matar?

Taryn assente. Eu olho para ela. Ela já sabe a resposta.

– Por que você não disse alguma coisa? Por que me deixou casar com ele? – Ela exige.

– Eu não sabia –, admito. – Não sabia que era Locke liderando uma caçada atrás de mim até eu ver você usando os brincos que perdi naquela noite. E então fui levada pela Corte Submarina. E logo depois que voltei, você me traiu, então achei que não importava.

Taryn franze a testa, claramente dividida entre a vontade de discutir e esforço para ficar quieta para me conquistar. Um momento depois, seu argumento triunfa. Nós somos gêmeas, afinal.

– Só fiz o que papai disse para fazer! Não achei que isso importasse. Você tinha todo esse poder e não usaria. Mas eu nunca quis te machucar.

– Acho que prefiro Locke e seus amigos me perseguindo pela floresta do que você me apunhalando pelas costas. Mais uma vez.

Posso vê-la visivelmente se impedindo de dizer mais alguma coisa, respirando fundo, mordendo a língua.

– Sinto muito –, pede ela, e sai do banheiro, me deixando terminar o banho sozinha.

Aumento a temperatura e demoro bastante tempo no banho.

***

Quando saio, Heather foi embora, e Taryn passou pela geladeira e nervosamente preparou algum tipo de festa do chá com as sobras. Um grande bule de chá no centro da mesa, junto com uma menor com arnica. Ela pegou nossos últimos biscoitos de gengibre e os colocou em uma bandeja. Nosso pão se transformou em dois tipos de sanduíches: presunto e aipo, manteiga de amendoim e Cheerios.

Vivi prepara um pouco de café assistindo Taryn com expressão preocupada. Me sirvo uma caneca do chá cicatrizante e bebo, depois me sirvo outra. Limpa, enfaixada e vestida com roupas novas, me sinto muito mais esperta e pronta para lidar com a notícia de que Locke está morto e que minha irmã gêmea o assassinou.

Pego um sanduíche de presunto e dou uma mordida. O aipo é crocante e um pouco estranho, mas não é ruim. De repente, estou ciente de como estou com fome. Enfio o resto do sanduíche na boca e empilho mais dois em um prato.

Taryn torce as mãos, pressionando-as e depois contra o vestido.

– Eu surtei –, começa ela. Nem Vivi nem eu falamos. Tento triturar o aipo mais silenciosamente.

– Ele prometeu que me amaria até a morte, mas seu amor não me protegeu de sua crueldade. Ele me avisou que fadas não amam como nós. Não entendi até que ele me deixou sozinha em sua casa grande e horrorosa por semanas sem fim. Cultivei rosas híbridas no jardim, encomendei cortinas novas e organizei festas de meses para os amigos dele. Não importava. Às vezes eu era liberal e às vezes casta. Eu dei tudo a ele. Mas ele disse que toda a história em mim havia acabado.

Levanto minhas sobrancelhas. Foi algo horrível para ele dizer, mas não necessariamente o que eu esperava serem suas últimas palavras.

– Acho que você mostrou para ele.

Vivi ri abruptamente e depois me encara por fazê-la rir.

Os cílios de Taryn brilham com lágrimas não derramadas.

– Acho que sim –, diz ela com a voz chateada e sem graça que acho difícil de interpretar. – Tentei explicar como as coisas tinham que mudar – elas precisavam–, mas ele agia como se eu estivesse sendo ridícula. Ele continuou falando, como se pudesse me convencer de meus próprios sentimentos. Havia um abridor de cartas sobre a mesa e – você se lembra de todas as lições que Madoc nos deu? A próxima coisa que eu soube foi o ponto na garganta de Locke. E então ele finalmente ficou quieto, mas quando eu o tirei, havia muito sangue.

– Então você não quis matá-lo? – Vivi pergunta.

Taryn não responde.

Entendo como é empurrar as coisas por tempo suficiente até que elas entrem em erupção. Eu também entendo como é enfiar uma faca em alguém.

– Está tudo bem –, digo, não tenho certeza se é verdade.

Ela se vira para mim.

– Eu pensei que não éramos iguais, você e eu. Mas acontece que somos iguais.

Não acho que ela acredite que isso seja uma coisa boa.

– Onde está o corpo dele agora? – Pergunto, tentando me concentrar na prático. – Precisamos nos livrar disso e...

Taryn balança a cabeça.

– O corpo dele já foi descoberto.

– Como? O que você fez? – Antes, eu estava frustrada por ela ter pedido ajuda, mas agora estou irritada por ela não ter vindo antes, quando eu poderia ter resolvido isso.

– Arrastei o corpo dele nas ondas. Pensei que a maré o levaria embora, mas ele simplesmente apareceu na outra praia. Pelo menos, hum, pelo menos algumas partes dele foram mastigadas. Foi mais difícil para adivinharem como ele morreu. – Ela me olha impotente, como se ainda não pudesse imaginar como tudo isso está acontecendo com ela. – Eu não sou uma pessoa má.

Tomo um gole do meu chá de arnica.

– Não disse que você era.

– Vai ter um inquérito –, continua Taryn. – Eles vão me encantar e fazer perguntas. Não poderei mentir. Mas se você responder em meu lugar, pode dizer honestamente que não o matou.

– Jude foi exilada – diz Vivi. – Banida até que ela receba o perdão da coroa ou alguma outra porcaria arrogante. Se eles a pegarem, a matarão.

– Só vai demorar algumas horas – pede Taryn, olhando de uma de nós para a outra. – E ninguém saberá. Por favor.

Vivi geme.

– É muito arriscado.

Não digo nada, o que parece ser a única coisa que a faz pensar nisso.

– Você quer ir, não é? – Vivi pergunta, me encarando com um olhar astuto. – Você quer uma desculpa para voltar para lá. Mas uma vez que eles te encantarem, perguntarão seu nome. Ou perguntarão outra coisa que os avise, quando você não responder da maneira que Taryn responderia. E então você vai se ferrar.

Balanço a cabeça.

– Puseram um geas em mim. Ele me protege de feitiços. – Odeio o quanto a ideia de retornar a Elfhame me emociona, odeio o quanto eu quero outra mordida na maçã-eterna, outra chance de conseguir poder, outra chance ir até ele. Talvez também exista uma maneira de contornar meu exílio, se eu puder encontrá-lo.

Taryn faz uma careta.

– Um geas? Por quê?

Vivi me olha com um olhar furioso.

– Diga a ela. Diga a ela o que você realmente fez. Diga a ela o que você é e por que você não pode voltar para lá.

Há algo no rosto de Taryn, um pouco de medo. Madoc deve ter explicado que eu recebi uma promessa de obediência de Cardan; caso contrário, como ela teria sabido ordenar que ele libertasse metade do exército de seus votos teria dado certo? Desde que voltei ao mundo mortal, tive muito tempo para pensar no que aconteceu entre nós. Tenho certeza de que Taryn estava com raiva de mim por não contar a ela sobre meu domínio sobre Cardan. Tenho certeza de que Taryn estava ainda mais irritada por eu ter fingido que não conseguia convencer Cardan a dispensar Locke de ser o Mestre da Diversão, quando, na verdade, eu poderia tê-lo comandado. Mas ela tinha muitos outros motivos para ajudar Madoc. Afinal, ele também era nosso pai. Talvez ela quisesse jogar o grande jogo. Talvez ela tenha pensado em todas as coisas que ele poderia fazer por ela se estivesse sentado no trono.

– Eu deveria ter lhe contado tudo, sobre Dain e a Corte das Sombras, mas... – Começo, mas Vivi me interrompe.

– Pule essa parte –, diz ela. – Vá direto ao assunto. Diga a ela o que você é.

– Eu ouvi falar da Corte das Sombras –, diz Taryn rapidamente. – Eles são espiões. Você está dizendo que é uma espiã?

Balanço a cabeça porque finalmente entendo o que Vivi quer que eu explique. Ela quer que eu diga que Cardan se casou comigo e me transformou, efetivamente, em Grande Rainha de Elfhame. Mas eu não posso. Toda vez que penso nisso, sinto uma vergonha por acreditar que ele não ia me enganar. Eu não acho que posso explicar qualquer parte disso sem parecer idiota, e não estou pronta para ser tão vulnerável com Taryn.

Preciso terminar essa conversa, então digo a única coisa que sei distrairá as duas, por razões muito diferentes.

– Decidi que vou ser Taryn no inquérito. Volto em um dia ou dois e depois explicarei tudo para ela. Prometo.

– Vocês duas não podem ficar aqui no mundo mortal? – Vivi pergunta. – Dane-se as fadas. Dane-se tudo isso. Vamos conseguir um lugar maior.

– Mesmo que Taryn fique com a gente, seria melhor para ela não faltar ao inquérito do Grande Rei –, digo. – E eu posso trazer coisas que podemos penhorar por dinheiro fácil. De alguma forma, temos que pagar por esse lugar maior.

Vivi me dá um olhar exasperado.

– Nós poderíamos parar de morar em apartamentos e brincar de mortais quando você quiser. Eu fiz isso por Heather. Se somos apenas nós, podemos pegar um dos armazéns abandonados à beira-mar e encantá-lo para que ninguém nunca entre. Podemos roubar todo o dinheiro necessário para comprar qualquer coisa. Apenas diga a palavra, Jude.

Pego da minha jaqueta os quinhentos dólares que recebi e coloco na mesa.

– Bryern estará com a outra metade hoje mais tarde. Já que ainda estamos brincando de ser mortais. E já que Heather aparentemente ainda está por aí. Agora vou tirar uma soneca. Quando acordar, vou para o Reino das Fadas.

Taryn olha para o dinheiro na mesa com confusão.

– Se você precisar...

– Se for pega, vai ser executada, Jude, – Vivi me lembra, interrompendo qualquer oferta que Taryn estava prestes a fazer. Estou feliz. Eu posso estar disposta a fazer isso, mas certamente não significa que eu a perdoe. Ou que estamos próximas agora. E não quero que ela aja como se fossemos.

– Então eu não vou ser pega –, digo a ambas.


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