Imagem da capa

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The Queen of Nothing - Capítulo Dezenove

Tirar os pontos é lento e doloroso. Minha irmã faz belos bordados, e parece que bordou minha barriga e a lateral, deixando Bomba com um trecho interminável de pequenos pontos que precisam ser cortados individualmente, os fios arrancados da pele e depois aplicados o cataplasma.

– Ow! – Resmungo pelo que parece ser a milionésima vez. – Precisa mesmo tirar esses ai?

Bomba dá um longo suspiro. – Deveriam ter sido removidos dias atrás.

Mordo minha língua contra outro uivo de dor. Quando posso falar novamente, tento me distrair perguntando: – Cardan disse que está esperançosa sobre Barata.

Debruçada sobre mim, ela cheira a pólvora e ervas amargas. Sua expressão é irônica. – Estou sempre esperançosa quando se trata dele.

Há um toque suave na porta. Bomba olha para mim com expectativa.

– Entre? – Chamo, abaixando meu vestido para cobrir o desastre na minha barriga.

Uma mensageira com pequenas asas de mariposa e de expressão nervosa entra na sala, me concedendo um alívio temporário de ser espetada. Ela se curva em uma reverencia, parecendo um pouco como se fosse desmaiar. Talvez seja por causa da pequena pilha de fios cobertos de sangue.

Penso em explicar, mas isso deve estar abaixo da dignidade de uma rainha, e só nos deixaria envergonhadas. Em vez disso, dou a ela o que espero que seja um sorriso encorajador. – Sim?

– Vossa Alteza – diz ela. – Lady Asha deseja vê-la. Ela me enviou para levá-la diretamente até os aposentos onde ela definha.

Bomba bufa. – Definha – repete.

– Pode dizer a ela que eu a verei assim que puder – digo com o máximo de grandeza possível.

Embora claramente não seja a resposta que sua senhoria queria que eu desse, a mensageira pouco pode fazer para desafiá-la. Ela hesita um momento, depois parece perceber por si mesma. Envergonhada, parte com outra reverencia.

– Você é a Grande Rainha de Elfhame. Aja como tal – diz bomba, me encarando com uma expressão séria. – Você não deve deixar ninguém comandar você. Nem mesmo eu.

– Eu disse a ela que não! – Protesto.

Ela começa a tirar outro ponto, nada particularmente delicado. – Lady Asha não deve ser a próxima na sua agenda só por perguntar. E ela não deveria fazer a rainha procurá-la. Especialmente quando você está machucada. Ela está deitada na cama se recuperando do trauma de ter assistido enquanto você caia do teto.

– Ai – resmungo, não tenho certeza se estou reagindo ao puxão contra minha pele, suas repreensões completamente justificadas ou sua avaliação mordaz sobre Lady Asha.

***

Assim que a bomba termina, ignoro seu excelente conselho e vou em direção ao quarto de Lady Asha. Não que eu discorde de qualquer um dos conselhos dela. Mas gostaria de dizer algo à mãe de Cardan, e agora parece ser um excelente momento para isso.

Enquanto atravesso o corredor, sou parada por Val Moren, que coloca sua bengala no meu caminho. Os olhos do senescal mortal do último Grande Rei estão iluminados com malícia.

– Como é a sensação de subir a tais alturas vertiginosas? – pergunta. – Sente medo de ter outra queda?

[p]Faço uma careta para ele. – Aposto que você gostaria de saber como é.[/p] [p]– Hostil, minha rainha – diz ele com um grunhido. – Você não deve ser gentil com o menor dos seus súditos?[/p] [p]– Você quer gentileza? – Eu costumava ter medo dele, de seus avisos terríveis e olhares selvagens, mas não tenho medo dele agora. – Todos esses anos, você poderia ter me ajudado e minha irmã. Você poderia ter nos ensinado a sobreviver aqui como mortais. Mas você nos deixou descobrir por conta própria, mesmo sendo iguais.[/p] [p]Ele olha para mim através dos olhos estreitados. – Iguais? – exige. – Acha que uma semente plantada no solo de goblin cresce sendo a mesma planta que seria no mundo mortal? Não, pequena semente. Não sei o que você é, mas não somos iguais. Vim para cá totalmente crescido.[/p][p]E com isso, ele faz seu caminho, me deixando carrancuda para trás.[/p][p]Encontro Lady Asha em uma cama com dossel, a cabeça apoiada em travesseiros. Seus chifres não parecem facilitar a busca de uma posição confortável, mas acho que, como são seus chifres, deve está acostumada a eles.[/p][p]Dois cortesãos, uma de vestido e outro de calça e casaco com abertura para asas delicadas nas costas, se encontram sentados em cadeiras ao lado dela. Lendo de uma coleção de sonetos de fofocas. A criada que me trouxe a mensagem de Lady Asha acende velas, e os aromas de sálvia, cravo e lavanda permeiam o ar.[/p] [p]Já dentro, os cortesãos permanecem sentados por muito mais tempo do que deveriam e, quando se levantam para fazer uma reverência, o fazem com tamanha apatia. Lady Asha permanece sentada, olhando para mim com um leve sorriso, como se nós duas tivéssemos um segredo desagradável.[/p][p]Penso em minha própria mãe, como não tenho há muito tempo. Me lembro do jeito que ela jogava a cabeça para trás quando ria. Como ela nos deixava ficar acordadas até tarde durante o verão, nos perseguindo pelo quintal ao luar, minhas mãos grudadas no picolé derretido, o fedor da forja de papai pesado no ar. Me lembro de acordar à tarde, assistindo desenhos animados, brincando na sala e picadas de mosquito florescendo na minha pele. Penso no modo como ela me carregava do carro quando adormecia em longas viagens. Penso na sensação sonolenta e quente de ser transportada pelo ar.[/p] [p]Quem eu seria sem nada disso?[/p] [p]– Não se preocupe em se levantar – digo a Lady Asha. Ela parece surpresa e depois ofendida pela implicação de que me deve as cortesias da minha nova posição. O cortesão de casaco tem um brilho nos olhos que me faz pensar que ele vai contar a todo mundo o que testemunhou. Duvido muito que a história me lisonjeie.[/p] [p]– Continuaremos depois – Lady Asha diz aos amigos, com um tom frígido na voz. Dão a impressão de estarem sendo dispensados de uma decisão importante. Com outra reverência – esta feita com cuidado para nós duas, eles partem, mal esperando até que a porta se feche para começar a sussurrar um para o outro.[/p] [p]– Sua visita deve ser uma gentileza – diz a mãe de Cardan. – Com você tendo retornado tão recentemente para nós. E tão recentemente subido ao trono.[/p] [p]Eu me forço a não sorrir. A incapacidade de mentir torna algumas frases interessantes.[/p] [p]– Venha – diz ela. – Sente um pouco comigo.[/p][p]Sei que a Bomba diria que esse é outro exemplo em que deixo que ela me diga o que fazer, mas parece insignificante me opor a uma autoridade tão pequena.[/p][p]– Quando eu trouxe você da Torre do Esquecimento para o meu covil de espiões – digo, no caso de ela precisar ser lembrada do por que deveria se preocupar em me deixar com raiva, – você disse que queria ficar longe do Grande Rei, seu filho. Mas vocês dois parecem ter feito as pazes. Você deve estar tão satisfeita.[/p][p]Ela faz beicinho. – Cardan não era uma criança fácil de amar e só piorou com o tempo. Ele gritava para ser carregado e, uma vez no colo, mordia e chutava para fora dos meus braços. Encontrava um joguinho e ficava obcecado por ele até vencer, depois queimava todas as peças. Quando você não for mais um desafio, ele vai desprezá-la.[/p][p]Eu a encaro. – E você está me dando esse aviso pela bondade do seu coração?[/p] [p]Ela sorri. – Estou lhe dando esse aviso porque já não importa. Você já está condenada, Rainha de Elfhame. Você já o ama. Você já o amava quando me questionou sobre ele, em vez de sua própria mãe. E você ainda o amará, garota mortal, muito tempo depois que seus sentimentos evaporarem como o orvalho da manhã.[/p] [p]Não consigo deixar de pensar no silêncio de Cardan quando perguntei se ele gostava que eu estivesse com medo. Uma parte dele sempre se deleitará com a crueldade. Mesmo que tenha mudado, ele pode mudar novamente.[/p] [p]Eu odeio ser uma tola. Odeio a ideia de minhas emoções tirando o melhor de mim, de me deixar fraca. Mas meu medo de ser tola me transformou em uma. Deveria ter adivinhado a resposta ao enigma de Cardan muito antes do tempo que descobri. Mesmo que eu não entendesse que era um enigma, ainda era uma brecha a explorar. Mas fiquei tão envergonhada por ter caído em seu truque que parei de procurar maneiras de contorná-lo. E mesmo depois que descobri uma forma, não planejei usá-lo.[/p] [p]Talvez não seja a pior coisa querer ser amado, mesmo que você não seja. Mesmo que doa. Talvez ser humano nem sempre seja fraqueza.[/p] [p]Talvez a vergonha tenha sido o problema.[/p] [p]Mas não é como se meus próprios medos fossem a única razão pela qual fiquei no exílio por tanto tempo. – Foi por isso que você interceptou as cartas que ele enviava? Para me proteger? Ou foi porque você tem medo que ele não se canse de mim? Porque, minha senhora, eu sempre serei um desafio.[/p] [p]Admito, é um palpite sobre ela e as cartas. Mas poucas pessoas teriam acesso e poder para interromper uma mensagem do Grande Rei. Não foi um embaixador de um reino estrangeiro. Provavelmente não foi membro do Conselho. E não acho que Lady Asha goste muito de mim.[/p] [p]Ela me olha suavemente. – Muitas coisas se perdem. Ou acabam sendo destruídas.[/p][p]Dado que ela não pode mentir, isso é praticamente uma confissão.[/p][p]– Entendo – digo, em pé. – Nesse caso, seguirei seu conselho exatamente no espírito com o qual você o deu. – Quando olho para ela da porta, digo o que acredito que ela menos gostaria de ouvir. – E da próxima vez, vou esperar sua reverência.[/p]

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8 Comentários

  1. Obrigada por mais um capitulo, sua traducao continua excelente.

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  2. Rafaella31 julho

    Grata por mais um capítulo Thiago!
    Acho que esse é um livro para ser lido inteiro em 2 horas, todo capítulo termina com um gostinho de quero mais :)

    Não vejo a hora de saber mais sobre essas cartas :D

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  3. Respostas
    1. Ela esmurrou a mãe do cardan.

      [img]https://i.imgur.com/2Iln3hT.gif[/img]

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  4. Noossa como odeio a mãe do Cardan. É daquelas tóxicas que culpa sempre os outros ou "não a entenderam". Imagina se não devesse a vida, ridícula.
    Thanks pela tradução.

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  5. Anônimo31 julho

    ódio da mãe do cardan. agradeço pela tradução

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  6. Anônimo31 julho

    ansiosa pelos próximos cap

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  7. Graziele08 agosto

    aaaaaaa to ficando loucaaaaaaaaa, obg pela tradução! <3

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