Imagem da capa

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The Queen of Nothing - Capítulo Onze


Oriana supervisiona a preparação do jantar para as facções, e fico ao lado dela. Observo a preparação de sopa de urtiga, cozida com batatas até o ferrão ser removido, e a carnificina de veados, seus corpos recém-abatidos fumegando no frio, sua gordura usada para dar sabor a verduras. Cada facção tem sua própria tigela e copo, pendurados nos cintos como ornamentos, e são apresentados aos servidores e enchidos com um pouco de comida racionada e regado a vinho.

Madoc come com seus generais, rindo e conversando. A Corte dos Dentes fica em suas tendas, enviando um criado para preparar sua refeição em um fogo diferente. Grimsen senta-se à parte dos generais, em uma mesa de cavaleiros que ouvem com muita atenção suas histórias do exílio com Alderking. É impossível não notar que as fadas que o rodeia usam talvez mais ornamentos do que é típico.

A área onde estão as panelas e as mesas fica do outro lado do campo, mais perto da montanha. Ao longe, vejo dois guardas em pé, perto da caverna, sem sair do turno para comer conosco. Perto deles, duas renas acariciam a neve, procurando raízes enterradas.

Mastigo minha sopa de urtiga, uma ideia se formando em minha mente. No momento em que Oriana me leva de volta à nossa tenda, tomei uma decisão. Vou roubar uma das montarias dos soldados perto da caverna. Será mais fácil fazer isso do que pegar um do acampamento principal e, se algo der errado, serei mais difícil de ser perseguida. Ainda não tenho um mapa, mas posso me guiar pelas estrelas, o suficiente para ir para o sul, pelo menos. Espero encontrar um assentamento mortal.

Compartilhamos uma xícara de chá e sacudimos a neve do corpo. Aqueço meus dedos rígidos no copo, impaciente. Não quero que ela levante suspeita, mas preciso me mexer. Tenho que arrumar comida e quaisquer outros suprimentos que eu possa precisar e carregar.

– Você deve estar com muito frio –, diz Oriana, me estudando. Com seus cabelos brancos e pele pálida fantasmagórica, ela parece ser feita de neve.

– Fraqueza mortal. – Sorrio. – Outro motivo para sentir falta das ilhas de Elfhame.

– Estaremos em casa em breve –, ela me garante. Ela não pode mentir, então deve acreditar nisso. Deve acreditar que Madoc vencerá, que ele será o Grande Rei.

Finalmente, ela parece pronta para se retirar. Lavo meu rosto, depois, guardo as coisas em um bolso e uma faca em outro. Depois de ir para a cama, espero até que Oriana esteja provavelmente dormindo, contando os segundos até meia hora se passar. Então saio das cobertas o mais silenciosamente possível e enfio os pés nas botas. Jogo um pouco de queijo em uma bolsa, junto com um pedaço de pão e três maçãs murchas. Pego o doce-morte que encontrei na floresta e embrulho em um pequeno pedaço de papel. Então vou até a saída da barraca, pego minha capa no caminho. Há um único cavaleiro lá fora, se divertindo esculpindo uma flauta diante do fogo. Eu aceno para ele quando passo.

– Minha dama? – Diz diz, levantando-se.

Dou meu olhar mais severo para ele. Não sou prisioneira, afinal. Sou filha do Grande General.

– Sim?

– Onde devo dizer a seu pai que lhe encontre, caso ele venha a perguntar? – A pergunta é formulada de maneira objetiva, mas sem dúvida a resposta errada pode levá-lo a perguntas menos objetivas.

– Diga a ele que estou ocupada usando a floresta como penico –, digo, e ele se encolhe, como eu esperava que fizesse. Ele não me faz mais perguntas enquanto coloco a capa sobre meus ombros e saio, ciente de que quanto mais tempo eu demorar, mais suspeito ele ficará.

A caminhada até a caverna não é longa, mas tropeço com frequência no escuro, o vento frio cortando cada passo. Música e folia surgem do acampamento, canções dos goblins sobre: perda, saudade e violência. Baladas de rainhas, cavaleiros e tolos.

Perto da caverna, vejo três guardas atentos em torno da grande abertura – um a mais do que eu esperava. A entrada da caverna é longa e larga, como um sorriso, em meio à escuridão algo tremeluz ocasionalmente, como se algum lugar no fundo estivesse iluminada. Duas renas pálidas cochilam por perto, enroladas na neve como gatos. Uma terceira arranha seus chifres contra uma árvore próxima.

Esse, então. Posso me esgueirar mais afundo entre as árvores e atraí-lo com uma das maçãs. Quando começo a entrar na floresta, ouço um grito vindo da caverna. O ar frio e denso carrega o som até mim, me fazendo voltar.

Madoc tem um prisioneiro.

Tento me convencer de que não é problema meu, mas outro som de angústia atravessa todos esses pensamentos inteligentes. Alguém está lá, com dor. Tenho que ter certeza de que não é alguém que eu conheço. Meus músculos já estão rígidos pelo frio, então vou devagar, circundando a caverna e subindo as rochas diretamente acima dela.

Meu plano improvisado é cair na entrada da caverna, já que os guardas estão olhando na outra direção. Há a vantagem de me esconder no caminho da queda, mas então a queda precisa ser muito, muito bem feita ou a combinação de barulho e movimento os alertará imediatamente.

Eu cerro os dentes e lembro das lições de Fantasma – vá devagar, garanta cada passo, fique nas sombras. Claro, isso vem com a lembrança da traição que se seguiu, mas digo a mim mesma que não torna as lições menos úteis. Me penduro para abaixo lentamente em um pedregulho irregular. Mesmo de luvas, meus dedos estão congelando.

Então, pendurada ali, percebo que cometi um terrível erro de cálculo. Mesmo totalmente estendida, meu corpo não consegue alcançar o chão. Quando caio, não há como evitar fazer algum som. Só vou ter que ficar o mais quieta possível e me mover o mais rápido que puder. Respiro fundo e me deixo cair a curta distância. Na inevitável batida dos meus pés na neve, um dos guardas se vira. Eu deslizo para as sombras.

– O que foi isso? – pergunta um dos outros dois guardas.

O primeiro está olhando para a caverna. Não sei dizer se ele me viu ou não.

Me mantenho o mais imóvel possível, prendendo a respiração, esperando que não tenha me visto, esperando que não possa me farejar. Pelo menos, frio como está, não estou suando.

Minha faca está perto da mão. Me lembro de que lutei com Grima Mog. Se for o caso, eu também posso lutar contra eles.

Mas depois de um momento, o guarda balança a cabeça e volta a ouvir a músicas dos goblins. Espero e espero mais um pouco, só para ter certeza. Dá aos meus olhos tempo para se ajustar. Há um aroma de minério no ar, junto com o de óleo queimado de lamparina. Sombras dançam no final de uma passagem inclinada, me tentando com a promessa de luz.

Faço o meu caminho entre estalagmites e estalactites, como se estivesse pisando nos dentes irregulares de um gigante. Entro em uma nova câmara e tenho que piscar contra o brilho da luz das tochas.

– Jude? – diz uma voz suave. Uma voz que eu conheço. Fantasma.

Magro, com hematomas florescendo ao longo de suas clavículas, ele repousa no chão da caverna, os pulsos algemados e acorrentados a estacas de ferro no chão. Tochas brilham em um círculo ao redor dele. Ele olha para mim com grandes olhos castanhos.

Fria como estou, de repente me sinto mais fria. A última coisa que ele me disse foi que servia o príncipe Dain. Não a mim. Isso foi logo antes de eu ser arrastada pela Corte Submarina e mantida lá por semanas, apavorada, faminta e sozinha. E, no entanto, apesar disso, apesar de sua traição, apesar de destruir a Corte das Sombras, ele fala meu nome com toda a maravilha de alguém que pensa que eu poderia estar vindo para salvá-lo.

Considero fingir ser Taryn, mas ele mal acreditaria que foi minha gêmea quem escapou daqueles guardas. Afinal, foi ele quem me ensinou a me mover assim. – Eu queria ver o que Madoc estava escondendo aqui –, digo, puxando minha faca. – E se você está pensando em chamar os guardas, saiba que a única razão que tenho para não lhe dar uma facada na garganta é o medo de que você possa morrer gritando.

Fantasma me dá um pequeno sorriso irônico. – Gritaria, sabe. Bastante alto. Só para irritar você.

– Então, aqui estão os salários pelo seu serviço –, digo com um olhar aguçado ao redor da caverna. – Espero que a traição tenha sido sua própria recompensa.

– Se vanglorie o quanto quiser. – Sua voz é suave. – Mereço. sei o que eu fiz, Jude. Fui um tolo.

– Então por que fez? – Isso me faz sentir desconfortavelmente vulnerável, mesmo para perguntar. Mas eu confiava em Fantasma e queria saber o quão estúpida eu tinha sido. Será que ele me odiou o tempo todo que eu nos considerei amigos? Ele e Cardan riram juntos da minha natureza confiante?

– Se lembra quando eu disse que matei a mãe de Oak?

Concordo. Liriope foi envenenada com cogumelo amanita para esconder que, embora fosse amante do Grande Rei, estava grávida de um filho do príncipe Dain. Se Oriana não tivesse cortado a barriga de Liriope e tirado Oak do útero, o bebê também teria morrido. É uma história horrível, e que eu provavelmente nunca esqueceria, mesmo que não fosse do meu irmão.

– Você se lembra de como olhou para mim quando descobriu o que eu tinha feito? – ele pergunta.

Fazia um ou dois dias após a coroação. Tinha feito o príncipe Cardan de prisioneiro. Eu ainda estava em choque. Estava tentando adivinhar a trama de Madoc. Fiquei horrorizada ao saber que Fantasma fez uma coisa tão horrenda, mas fiquei horrorizada muito antes. Ainda assim, cogumelo amanita é uma maneira terrível de se morrer, e meu irmão também quase foi assassinado. – Eu fiquei surpresa.

Ele balança a cabeça. – Até Barata ficou horrorizado. Ele nunca soube.

– E foi por isso que nos traiu? Você pensava que éramos muito criteriosos? – Eu pergunto incrédula.

– Não. Apenas ouça mais um momento. – Fantasma suspira. – Eu matei Liriope porque o príncipe Dain me trouxe para Faerie, me proveu e me deu um propósito. Por lealdade, fiz isso, mas depois fiquei abalado com o que havia feito. No desespero, fui até o garoto que pensava ser o único filho vivo de Liriope.

– Locke –, digo entorpecida. Me pergunto se Locke percebeu, após a coroação de Cardan, que Oak era seu meio-irmão. Eu me pergunto se ele sentiu alguma coisa sobre isso, se ele alguma vez mencionou isso para Taryn.

– Tomado de culpa –, continua Fantasma – eu ofereci a ele minha proteção. E meu nome.

– Seu... – Começo, mas ele me interrompe.

– Meu verdadeiro nome – diz Fantasma.

Entre os feéricos, nomes verdadeiros são segredos bem guardados. Uma fada pode ser controlada pelo seu nome verdadeiro, então são mais seguros do que qualquer voto. É difícil acreditar que Fantasma daria tanto de si mesmo.

– O que ele fez você fazer? – Pergunto, indo direto ao ponto.

– Por muitos anos, nada –, disse Fantasma. – Então pequenas coisas. Espionar pessoas. Descobrindo seus segredos. Mas até ordenar que eu a levasse à Torre do Esquecimento e deixasse a Corte Submarina sequestrar você, eu acreditava que ele queria apenas pregar uma peça, nunca perigo real.

Nicasia deve ter descoberto e pedido um favor a ele. Não foi de admirar que Locke e seus amigos se sentissem seguros o suficiente para me caçar na noite anterior ao casamento. Ele sabia que eu iria embora no dia seguinte.

E, no entanto, ainda entendo o que Fantasma quer dizer. Eu também sempre pensei que Locke queria pregar peças, mesmo quando parecia possível que eu morreria por causa disso.

Balanço a cabeça. – Mas isso não explica como você chegou aqui.

Fantasma parece estar lutando para manter a voz calma, para controlar o temperamento. – Depois da Torre, tentei colocar distância suficiente entre mim e Locke para que ele não pudesse me ordenar a fazer nada novamente. Cavaleiros me pegaram deixando Insmire. Foi quando descobri a verdade do que Locke havia feito. Ele deu meu nome ao seu pai. Foi o dote dele pela mão da sua irmã gêmea e um assento à mesa quando Balekin chegou ao poder.

Eu respiro fundo. – Madoc sabe seu nome verdadeiro?

– Ruim, não é? – Ele dá uma risada oca. – Você cair aqui é a primeira boa sorte que tive em muito tempo. E é boa sorte, mesmo nós dois sabendo o que precisa acontecer em seguida.

Me lembro de quão cuidadosamente dei comandos a Cardan, que significavam que ele não podia me evitar ou escapar. Madoc, sem dúvida, fez isso e muito mais, de modo que Fantasma acredita que apenas um caminho está aberto para ele.

– Eu vou tirar você daqui –, digo. – E depois...

Fantasma me interrompe. – Eu posso lhe mostrar onde me causar menos dor. Posso lhe mostrar como fazer parecer que eu mesmo o fiz.

– Você disse que morreria gritando, só para me irritar –, repito, fingindo que ele não está falando sério.

– Também faria –, diz ele, com um sorrisinho. – Eu precisava contar a você, precisava contar a verdade a alguém antes de morrer. Agora está feito. Me deixe ensinar uma última lição.

– Espere –, digo, levantando a mão. Preciso parar ele. Eu preciso pensar.

Ele continua implacavelmente. – Não é vida estar sempre sob o controle de alguém, sujeito à vontades e caprichos alheios. Sei do geas que você pediu ao príncipe Dain. Sei que você estava disposta a matar para recebê-lo. Nenhum encantamento lhe atinge. Lembra quando era diferente? Lembra como era ser impotente?

Claro que eu lembro. E não consigo deixar de pensar na serva mortal da casa de Balekin, Sophie, com os bolsos cheios de pedras. Sophie, perdida para a Corte Submarina. Um arrepio passa por mim antes que eu possa dar de ombros.

– Pare de ser dramático. – Pego a bolsa de comida que tenho comigo e me sento na terra para cortar fatias de queijo, maçãs e pão. – Ainda não estamos sem opções. Você parece meio faminto, e eu preciso de você vivo. Você poderia encantar um ramo de erva-de-santigo e nos tirar daqui – e você me deve ajuda, pelo menos.

Ele pega pedaços de queijo e maçã e os enfia na boca. Enquanto come, considero as correntes que o predem. Como poderia separar os elos? Percebo um buraco na estaca que parece do tamanho de uma chave.

– Planejando – Fantasma diz, percebendo meu olhar. – Grimsen fez minhas correntes para resistir a todas, exceto a mais mágica das lâminas.

– Estou sempre planejando – respondo. Quanto do plano de Madoc você conhece?

– Muito pouco. Cavaleiros me trazem comida e mudas de roupas. Só me foi permitido tomar banho sob guarda pesada. Certa vez, Grimsen veio me espiar, mas ficou completamente calado, mesmo quando gritei com ele. – Não é do feitio de Fantasma gritar. Ou gritar do jeito que deveria ter para que eu o ouvisse, gritos de tormento, desespero e desesperança. – Várias vezes Madoc veio me interrogar sobre a Corte das Sombras, sobre o palácio, sobre Cardan, Lady Asha e Dain, até sobre você. Eu sei que ele está procurando por fraquezas, pelos meios para manipular todos.

Fantasma pega outra fatia da maçã e hesita, olhando a comida como se a estivesse vendo pela primeira vez. – Por que você tem isso com você? Por que trazer um piquenique para explorar uma caverna?

– Eu estava pensando em fugir –, admito. – Esta noite. Antes que descubram, que eu não sou a irmã que estou fingindo ser.

Ele olha para mim horrorizado. – Então vá, Jude. Fuja. Você não pode ficar por minha causa.

– Eu não vou... você vai me ajudar a sair daqui –, insisto, o interrompendo quando ele começa a discutir. – Eu posso me virar por mais um dia. Me diga como abrir suas correntes.

Algo no meu rosto parece convencê-lo da minha seriedade. – Grimsen tem a chave –, diz ele, sem encontrar meus olhos. – Mas seria melhor se usasse a faca.

O pior, é que ele provavelmente está certo.



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8 Comentários

  1. Anônimo21 julho

    MARAVILHOSO!!! estou ansiosa pelos próximos capítulos

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  2. Anônimo21 julho

    continua por favor

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  3. Anônimo24 julho

    Continua por favor!!!!!!! :D

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  4. Ansiosa pelo próximo 🙌🏽 aí MDS como há de ser essa fuga.

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  5. Anônimo25 julho

    continua por favor!!

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  6. imaginava que o prisioneiro era o Fantasma

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