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The King's Men - Capítulo Dois [Página 2]


Neil esbofeteou a mão de Andrew e voltou para o sofá. Andrew sentou-se no meio, então Neil se acomodou no espaço ao seu lado. Seu corpo se arrependeu de interferir na luta, mas Matt deu um leve aceno de agradecimento quando Neil buscou sua atenção pela sala. Neil olhou para Andrew, tentando avaliar seu humor, e seguiu seu olhar para baixo. Andrew havia trazido uma pequena faca e a virava de um lado para o outro entre os dedos. Não era uma das quais ele guardava em suas braçadeiras, mas Neil não ficou surpreso por não tê-la reconhecido. Ele quase nunca via a mesma faca duas vezes.

– Nem é tão fascinante –, disse Andrew.

– Não –, concordou Neil.

Ele não sabia como explicar as sensações complicadas que uma lâmina afiada provocava. Seu pai era chamado de carniceiro por um motivo. Sua arma favorita era um cutelo afiado e robusto o suficiente para arrancar membros em um único golpe. Antes do cutelo Nathan Wesninski usava um machado. Ele ainda mantinha esse machado por perto quando queria que alguém sofresse. A lâmina era afiada o suficiente, exigindo pouco esforço para retalhar entre os ossos. Neil só o vira usá-lo uma vez, no dia em que conheceu Riko e Kevin no Estádio Evermore.

– É só que... – Neil procurou por palavras, ciente de que a conversa do outro lado da sala tinha se acalmado um pouco. Os veteranos estavam tentando ouvir sem parecer óbvio. Neil se conteve com a explicação mais vaga que pôde, esperando que seus companheiros se confundissem ligando o pronome a Riko.

– Eu nunca entendi o porquê ele gosta tanto de facas.

Essas simples palavras não deveriam ter gerado a reação que acabara por ocasionar. Andrew ficou imóvel e ergueu o olhar, mas ele não olhou para Neil. Ele olhou para Renee, então Neil também. Ela parou o que dizia para olhar Neil, Renee estudou-o, não parecendo em nada a Raposa redimida e otimista. Seu doce sorriso sumira e o olhar inexpressivo em seu rosto lembrou a Andrew. Neil instintivamente ficou tenso em estado de choque. Antes que seu corpo descobrisse o que fazer, Renee mudou seu olhar impenetrável para Andrew.

Eles se encararam baixando o olhar, silenciosos e imóveis, alheios aos olhares perplexos que seus companheiros de equipe enviavam entre eles. Andrew não disse nada, mas Renee ergueu o queixo. Andrew cantarolou em resposta e afastou a faca.

– Ele vai perder esse gosto quando tiver uma enfiada em seu bucho –, disse ele.

Neil olhou para Renee novamente a tempo de ver a outra Renee desaparecer. Uma máscara calma derreteu a morte de seu rosto e Renee continuou exatamente de onde tinha parado. Esta Renee nada entendeu sobre que acabara de acontecer, se não fosse pelos óbvios questionamentos na expressão de Dan, mas gentilmente intimidou seus amigos a regressarem a conversa.

Allison e Nicky voltaram juntos. As bochechas de Allison estavam secas e os olhos ferozes de determinação quando se sentou. O sorriso de Renée foi encorajador e Dan sorriu em aprovação. Allison batucou as unhas impacientes nos braços da cadeira e fixou um olhar de expectativa em Wymack.

– Quem será o primeiro que iremos eliminar?

– Primeira rodada: sudeste contra sudeste. Wymack pegou sua prancheta e folheou a primeira página. Equipes classificadas em números ímpares no ranking jogam às quintas-feiras neste ano, então estamos livres ás sextas. 12 de janeiro jogaremos fora contra a Universidade do Texas. A boa notícia é que Austin excede o limite de mil quilômetros, o que significa que a reitoria vai nos deixar voar até lá.

– Dia 19 estaremos em casa para a revanche contra Belmonte. 26 de janeiro jogaremos fora contra o Arkansas. Dois desses três vão prosseguir para a fase mata-mata. Belmonte é o quarto do ranking, mas vocês lembram como eles eram no último outono. O SUA também está em quarto, enquanto a Universidade do Texas é o segundo colocado, e eles ficaram em segundo lugar nas regionais nos últimos cinco anos.

– Todas as três equipes já participaram do campeonato de primavera com resultados variados. Eles sabem o que estão fazendo. Eles sabem o que é preciso para se qualificar. Somos o elo fraco. Isso não significa que vamos quebrar. Significa que temos que trabalhar duas vezes mais para acompanhá-los. Se vocês estiverem dispostos a fazer isso, temos uma chance de lutar.

Ele soltou uma pilha de papéis e os indicou para Matt. Matt levantou-se e as distribuiu. Wymack fizera uma pesquisa sobre os adversários da primeira rodada para eles.

A primeira página era a programação de outono do time do Texas, completa com resultados. Notas de rodapé detalhavam as últimas sete tentativas da UT em campeonatos de primavera. Por três anos eles chegaram até a terceira rodada antes de serem eliminados. Neil virou a página e folheou a lista de equipes. As quatro páginas seguintes seguiram o mesmo padrão para Belmonte e Arkansas.

– Segunda-feira nós iremos destrinchar o estilo de jogo deles a fundo e definir estratégias –, disse Wymack. – Até lá, eu também terei cópias de todos os seus jogos de outono gravados. Os Assistam nos tempos livres se estiverem curiosos. Com uma exceção, não vou desperdiçar nosso tempo de treino mostrando mais que algumas observações.

– Há uma pausa de uma semana entre a primeira rodada e as primeiras partidas do mata-mata –, continuou Wymack. – A má notícia é que não saberemos quem será o adversário até fevereiro. Boas notícias: este ano as Três Grandes estão numa faixa de probabilidades. Elas devem se enfrentar na terceira rodada. Pela primeira vez em seis anos, um deles vai ser eliminado antes das semifinais.

– Ah, caramba –, soltou Dan, assustada. – Isso é muita sorte.

– A posto meu dinheiro na Penn –, disse Nicky.

– Não aposte –, disse Kevin antes que os outros pudessem fazer suas apostas. – Não importa qual deles vai ser eliminado; não estamos nem perto de enfrentar qualquer um deles. Quanto tempo até Neil voltar?

– Uma semana –, disse Neil, um pouco ressentido. – Abby não vai reconsiderar até a próxima terça-feira.

– Generoso da parte dela –, disse Dan. – Eu teria suspendido você durante toda a primeira rodada.

– Estou bem, consigo jogar –, replicou Neil.

Kevin passou por trás de Andrew para bater na nuca de Neil. Cada pingo incomodo de empatia que ele tivera ontem se foi; ele devolveu ao olhar aborrecido de Neil um olhar furioso e feroz, –Eu avisei uma vez para não mentir sobre sua saúde. Nós precisamos de você na quadra, mas não se você for nos arrastar para a lama. No estado em que você está agora, seria um completo desperdício do nosso tempo.

– Eu não faria isso –, disse Neil. – Coloque-me na quadra e eu provarei.

–Cala a boca –, disse Wymack. – Quando você estiver com menos de cinquenta pontos, eu considerarei deixá-lo entrar na minha quadra novamente. Antes disso, se eu pegar você flertando com seu equipamento, então eu vou suspendê-lo por mais uma semana só por maldade. Você entendeu?

– Mas...

– Diga um “sim, treinador”.

– Treinador...

Neil esqueceu o resto de seu argumento quando Andrew beliscou seu pulso. Um raio de fogo queimou através de seus dedos, ele prontamente afastou sua mão o mais rápido que pôde. Neil lançou um olhar irritado para Andrew, mas Andrew nem sequer olhou para ele. Neil passou o braço em volta do estômago, assim, tirando a mão do alcance de Andrew e, de mau humor, voltou sua atenção para Wymack.

– Agradecido, eu acho – disse Wymack. – Andrew, o quanto você ficou fora de forma? Não vi uma academia listada nas comodidades do Easthaven.

– Não tinha –, respondeu Andrew. – Improvisei.

– Gostaria de saber? – perguntou Wymack, depois respondeu à sua própria pergunta. – Não, eu não quero, a menos que haja um processo judicial urgente em que eu deveria saber.

– Treinos matinais serão na academia novamente. Neil, até a sua volta, nós nos encontraremos aqui. Vou colocá-lo para assistir vídeos e pesquisar sobre a defesa da UT. Amanhã à tarde, iniciaremos o semestre visitando Betsy. Vocês já conhecem a rotina: nada de ir com alguém que joga na mesma posição. Dan vai dividir os pares e dar-lhe um tempo previsto durante o treino da manhã. Certo?

– Deixa comigo –, disse Dan.

– O ultimo ponto dos meus anúncios oficiais é o controle de danos –, disse Wymack. – A atenção de todos está sobre nós. Essa temporada vai ser muito feroz e as muitas tragédias fizeram de nós o assunto da cidade, e este ano talvez as pessoas torçam pelo azarão. O conselho quer que encorajemos essa febre com mais publicidade. Esperem mais câmeras nos jogos, mais entrevistas e mais falta de tranquilidade, em geral. Se eu pudesse proibir um de vocês de abrir a boca em público, eu faria, mas isso está fora do meu alcance. Tentem se comportar sem sacrificar suas imagens confiantes. Podem fazer isso?

– Você não é engraçado, Treinador –, disse Nicky.

– Vou ser menos se você nos fizer parecer idiotas –, replicou Wymack. – Mas não estou tão preocupado com você quanto estou com o saco de pancadas e a boca de sacola dele. Alguém tem ideias sobre como fazer Neil parecer um pouco menos como uma mulher de malandro?

– Está sob controle –, disse Allison, e olhou para Neil. –Você virá ao nosso quarto depois da reunião.

– Eu ia comprar meus livros hoje –, disse Neil.


– Eu não estava perguntando –, replicou Allison. – Você pode ir quando eu terminar com você, a menos que você queira sair desse jeito.

– Prometemos não perguntar sobre o Natal –, disse Renee. – Ou ela não viu o olhar irritado que Allison atirou nela por acabar com as chances de conseguir boas fofocas ou ela optou por ignorar isso. – Só vai levar alguns minutos, eu acho.

Neil não confiava em Allison para não se intrometer, mas ele confiava em Renee para intervir em seu nome quando isso acontecesse.

– OK.

– Eu preciso comprar minhas coisas também –, disse Nicky. – Nós podemos ir quando elas terminarem com você.

Wymack assentiu e examinou sua equipe.

– Alguém tem alguma coisa oficial para adicionar?

– Vamos precisar de uma prateleira ou algo assim para colocar o nosso troféu de campeão –, disse Dan. – Podem conseguir um novo?

– A reitoria não assinará uma compra assim até que tenhamos conseguido pelo menos a segunda partida do mata-mata –, disse Wymack. – No entanto, boa tentativa.

– E quem é que precisa da permissão do conselho? – Indagou Allison.

– Eu vou comprar, porque a nossa prateleira é muito pequena. Nós merecemos algo obscenamente caro. Matt, tire as medidas do bagageiro da sua caminhonete. Preciso saber o que eu consigo encaixar antes de começar a procurar o móvel perfeito.

– Ah, ser jovem e podre de rico –, disse Nicky. – Deve ser legal.

Allison olhou suas unhas com um tédio grandioso.

– Muito.

Nicky revirou os olhos, mas não continuou.

– Algo mais? – perguntou Wymack. – O som da porta principal abrindo anunciou a volta de Abby, Wymack sacudiu a cabeça. – Não importa mais. A comida está aqui. Comam e saiam do meu vestiário. Eu estarei revisando a papelada se alguém precisar de mim.

Ele se retirou, desaparecendo em seu escritório. Abby cobriu a mesa de centro com vasilhas de comida e distribuiu pratinhos de papel. Ao terminar, ela ficou tempo o suficiente para oferecer sua tranquila recepção, mas calorosa, às Raposas. Neil achou estranho o fato dela não perguntar sobre as férias de ninguém, mas o olhar desconfortável que ela lançou em Neil e Andrew a caminho do escritório de Wymack o fez entender que ela estava poupando os árduos sentimentos deles. Era uma gentileza equivocada. Andrew, provavelmente, não se importava que seus companheiros houvessem tido um recesso muito melhor, ele e Neil não se ressentiriam com a felicidade alheia.

O almoço foi uma ocasião tranquila. Neil desligou seu celular ao sair do vestiário, e Andrew não o deixou entrar no carro até que o aparelho fosse religado. A equipe se dividiu em dois automóveis na volta para a Fox Tower e Neil seguiu as meninas em direção ao quarto delas. Allison o fez sentar-se de lado no sofá, enquanto ela vasculharia sua mala. Quando voltou, trouxe com ela um saco plástico e sentou-se o mais perto dele quanto pode. Neil apenas a observou descarregar maquiagens no curto espaço entre eles.

– Teria sido melhor se você tivesse ido à loja com a gente –, disse Allison. Soou acusatório, mesmo elas não deixando Neil ciente de suas intenções. Neil se perguntou se deveria se desculpar. Antes de decidir-se, Allison continuou. – Não importa mais. Eu comprei toda a prateleira. Cedo ou tarde algo vai ter que combinar. Olhe para frente e me deixe trabalhar. Não abra a boca até que eu faça uma pergunta.

Ela levantou dois estojos de maquiagens por vez, enfrente aos dois lados do rosto, e assim verificou os tons mais próximos da pele. Algumas ela descartou imediatamente. Outras foram reservadas para uma segunda analise. Finalmente, ela escolheu três e começou a maquia-lo cobrindo os hematomas que revestiam sua garganta e rosto. Renee e Dan ficaram assistindo, atrás do sofá. Neil não arriscou a ira de Allison olhando para elas, mas ele quase podia ouvir Dan cerrando os dentes.

– Por quê? – Dan finalmente exigiu. – O que ele esperava ganhar? Por que ele fez isso?

– Dan –, disse Renee em repreensão tranquila. – Nós prometemos.

– Você que prometeu –, retrucou Dan.

Neil as deixaria brigando, no entanto Dan não estava desafiando a sua decisão.

– Para atingir o Kevin –, respondeu ele, e Allison baixou as mãos. Neil lançou um olhar pelo canto do olho para Dan. – Sabia? Kevin está com as Raposas há um ano, mas ele ainda tem um quarto no Ninho dos Corvos. Riko nem seque jogou fora os trabalhos escolares dele. Interessante, não é? Riko ameaça e rejeita Kevin a todo o momento, mas não vai deixar ele livre. Ele é tão obcecado por Kevin quanto Kevin está por ele.

– Agora, o Kevin está começando a esquecê-lo –, continuou ele. – Em outubro, quando enfrentamos os Corvos, Kevin se importou mais com a gente do que com Riko atrás dele. Ele nos escolhe naquele dia, isso foi imperdoável. Riko é o rei. Ele não admitirá ser diminuído, menosprezado ou subestimado. Então, ele vai tirar do caminho as pessoas que apoiam Kevin. Ele queria que a gente o temesse e infectasse Kevin com dúvidas.

Dan bufou rudemente.

– Idiota incompetente.

– Agradecido –, disse Neil.

Dan parecia perdida, então Neil disse:

– Por não me perguntar se teve resultado.

– Claro que não –, disse Allison. – Você não tem medo do Andrew. Por que teria medo de Riko? Ele é só mais um falastrão, mimado e com problemas para controlar a raiva. Agora olhe para frente e me deixe maquia-lo. Não mandei você olhar para o outro lado.

Neil retornou a posição, parado e esperando ela terminar. Ela recostou-se um pouco para lhe dar uma olhada minuciosa, depois se levantou para pegar um espelho em cima de sua mesa. Neil sentiu um frio no estômago quando ela lhe ofereceu o espelho. Neil o pegou, mas deixou-o sobre seu colo. Allison fez sinal para ele dar uma olhada. Neil balançou a cabeça em negação.

– Se você acha que está bom, então eu acredito em você –, disse Neil.

– Não tem medo do Riko, mas tem medo do próprio reflexo? Indagou Allison, cruzando os braços sobre o peito e lançando um olhar penoso. – Você é um moleque confuso. Isso é natural ou seus pais fizeram isso?

Dan saltou antes que Neil pudesse reagir.

– Parece ótimo. Qualquer um que se aproximar muito provavelmente vai descobrir que é maquiagem, mas eu duvido que perguntem. Daqui de trás nem dá para perceber. Você vai ter que vir aqui depois dos treinos matinais para se maquiar antes das aulas, até que tudo suma. Você vai ter aula as nove nesse semestre?

– Não, eu cortei elas no outono –, Para Allison, Neil disse: – Obrigado. Eu nem teria pensado nisso. Parece ser um truque eficiente.

– E, é. Aprendi para despistar os paparazzi, quando eu comecei a jogar. Embora nunca tenha precisado, eu nunca perdi meu senso de moda. – Allison ergueu um ombro, presunçosa. – Faça um teste, vá buscar seus livros. Agora, de preferência. A Dan está louca para usar o seu quarto.

– Não é o quarto que me interessa –, disse Dan.

Neil colocou o espelho de lado e levantou do sofá.

– Saindo.

– Ah, Neil? –, disse Dan, quando Neil chegou à porta. – Neil saltou a maçaneta e olhou para ela. – Se quiser conversar sobre qualquer coisa, ou nada, ou... – ela gesticulou com o dedo no lado de sua cabeça, talvez significando a abrupta mudança de Neil na aparência, – Você sabe que estaremos aqui quando precisar, não sabe?

– Sei –, respondeu. – Talvez mais tarde. Me envie uma mensagem quando for seguro voltar para o quarto?

– Talvez sim, talvez não.

Neil gesticulou com a cabeça e saiu. Ele fechou a porta atrás de si e permaneceu no corredor. Ele estava cansado, dolorido e nem um pouco ansioso para sua semana fora de repouso, mas por um momento, nada disso importava.

– Estamos bem –, disse ele ao salão vazio. –Nós ficaremos bem. As raposas ficariam bem, pelo menos, e isso era mais do que suficiente.



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