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The King's Men - Capítulo Três [Página 2]


Neil ficou onde estava até a porta se fechar. Ele olhou de seu bloco de notas para o jogo pausado, então colocou suas coisas de lado e ficou em pé. O som da bola batendo na parede o cumprimentou enquanto ele passava pela porta dos fundos e seguia o caminho até o pátio interno da quadra. Wymack estava parado perto do banco de reservas, observando seus jogadores disputarem enquanto fazia anotações. Ele estava de costas para Neil, e o ruído das entradas de ar dentro da quadra ajudou a esconder o suave som dos passos de Neil. Neil se moveu até uma distância segura e observou seus colegas de equipe.

As Raposas pareciam tão pequenas quando estavam sem os três jogadores, mas eles jogavam com a ferocidade de um time grande. Dan e Kevin estavam em dupla no ataque contra três defensores e, apesar de estarem em menor número, eles lutaram incansavelmente. Kevin até conseguiu escapar de Nicky e Aaron algumas vezes para atirar no gol. Andrew defendeu todas as suas investidas, mas demorou alguns arremessos antes de Neil perceber o que ele estava fazendo. Ao invés de mandar as bolas de volta para a quadra, como de costume, ele estava as jogando de volta para Kevin. Mais especificamente, direto nos pés de Kevin. Kevin tinha que executar um belo e ágil drible para evitar tropeçar na bola. Andrew fez o mesmo com Dan quando ela finalmente passou por Matt para fazer um arremesso. Ela se esquivou, mas por pouco, e Matt teve que agarrá-la quando ela tropeçou.

Wymack falou um palavrão e se virou para colocar suas coisas de lado. Enquanto se virava, ele viu Neil, e hesitou em colocar sua prancheta no banco. Neil esperou uma ordem automática para voltar ao vestiário. Ao invés disso, Wymack apontou seus dedos para Neil e moveu seu polegar até a porta do estádio.

– Diga para seu psicopata de estimação deixar de fazer isso antes que ele aleije alguém.

– Eu acho que ele não vai me ouvir –, disse Neil.

– Você e eu sabemos que ele irá. Agora vá.

Wymack bateu na parede, anunciando uma pausa para a partida enquanto Neil se dirigia até a porta. Ele foi até a quadra e, então, dirigiu-se ao gol. Andrew apoiou sua raquete sobre seus ombros com a aproximação de Neil. Neil era inteligente o suficiente para não chamar o nome de Andrew em publico, então ele parou o mais perto que podia de Andrew e manteve sua voz baixa.

– O Treinador quer saber o que você tem contra a linha ofensiva.

Andrew deslizou o seu olhar por Neil até a parede da quadra:

– Ele mesmo pode vir me perguntar isso.

– Ou você pode me responder, uma vez que já estou aqui –, disse Neil. – Há apenas nove de nós sobrando. Se nós perdermos mais alguém, estamos fora dos campeonatos de primavera. Você sabe disso.

Neil esperou por um soco, mas é claro que aquilo não era o suficiente para obter uma reação. Andrew já parecia entediado da conversa. Neil colocou uma mão na frente do rosto de Andrew, bloqueando perfeitamente Wymack de sua visão, e esperou até que Andrew olhasse para ele novamente:

– Eu quero que nós alcancemos as finais. Eu quero que nós sejamos os únicos a finalmente derrotar os Corvos. Depois de tudo que Riko nos fez, você também não quer isso?

– Você diz "querer" tão espontaneamente –, disse Andrew, – mesmo eu já tendo lhe dito mil vezes que eu não quero nada.

– Provavelmente porque você está gastando toda a sua energia em não querer nada –, rebateu Neil. – Mas se você não consegue compreender esse conceito simples, eu vou colocar em termos que você entenda: esse é um jogo que não podemos perder. É assim que destruiremos Riko. É a única coisa que podemos tomar dele que vai realmente doer. Vamos arrancar a sua classificação de suas mãos e mostrá-lo que há uma razão para nos temer.

– Seus colegas de equipe ainda acham que você é o quietinho? – perguntou Andrew.

– Nossos colegas de equipe –, disse Neil, com ênfase, – querem isso tanto quanto eu. Pare de renegá-los antes que eles tenham a chance de tentar.

– Eu não acredito em dar chances para as pessoas.

– Eu também não, até que vim para cá –, disse Neil. – Eu lhe dei uma chance quando decidi ficar. Você me deu uma chance quando decidiu que eu trenasse com Kevin. É realmente tão difícil apoiá-los, quando eles estiveram ao seu lado em praticamente tudo?

– O que você vai me dar em troca por minha cooperação? – indagou Andrew.

– Porque a vingança não é boa o suficiente? – questionou Neil. – O que seria necessário?

Andrew não teve que pensar sobre aquilo:

– Me mostre suas cicatrizes.

Não era o que Neil esperava, e foi provavelmente por isso que Andrew pediu tal coisa. Neil abriu sua boca para protestar, mas as palavras morreram em sua garganta. Wymack e Abby já tinham visto-as, e as Raposas sabiam que as cicatrizes estavam lá. Ele colocara a mão de Andrew em sua pele arruinada em novembro para ganhar a sua confiança. Neil prometera a Andrew as partes ausentes de sua verdade caso sobrevivessem ao ano. Ele não havia pensado que Andrew se contentaria apenas com uma prova visual.

– Quando? – indagou, por fim.

– Nós vamos para Columbia amanhã –, disse Andrew. – Agora vá embora e diga ao Treinador para se importar com seu limite salarial. Eu não vou deixar ele escapar dessa de novo.

Neil não entendeu, mas assentiu e foi embora. As Raposas esperaram até que a porta fosse fechada e trancada antes do jogo reiniciar. Na vez seguinte em que Kevin conseguiu arremessar no gol, Andrew atirou a bola para o fundo da quadra. Neil teve a sensação de que as Raposas se arrependeriam de sua intervenção em breve. Era definitivamente mais seguro, mas agora Dan e Kevin tinham que perseguir a bola toda a vez que Andrew a rebatia.

Neil voltou a ficar ao lado de Wymack e transmitiu a mensagem de Andrew. Ele esperava que Wymack ignorasse a ameaça de Andrew sem ao menos piscar. Ele não estava esperando o suspiro sarcástico e seco de Wymack:

– Apenas me prometa que isso não vai ser um problema.

– O quê? – perguntou Neil.

– Eu não sei dizer se você está sendo estúpido para me ferrar ou se você é mesmo tão lerdo –, disse Wymack. Quando Neil apenas o olhou com uma expressão neutra, Wymack esfregou suas têmporas, como se tivesse uma dor de cabeça. – Eu teria pena de você, mas Andrew está certo. Eu não recebo para me envolver nisso. Perceba você mesmo... Em seu próprio tempo. Você deveria estar estudando a UT agora.

Wymack pegou sua prancheta e começou a fazer anotações. Neil olhou para ele e depois para a quadra.

– Adeus –, disse Wymack.

Neil engoliu suas perguntas e se dirigiu novamente para o vestiário.

***

Os veteranos saíram para jantar na sexta-feira após os treinos, mas passaram nos dormitórios primeiro para colocar roupas limpas. Andrew apareceu no dormitório de Neil quase no mesmo momento em que Matt havia saído, e ele trouxe uma sacola de roupas com sigo. Neil ainda não entendia por que os primos insistiam em fazê-lo vestir algo novo toda a vez que iam para Columbia, mas ele já havia passado do ponto de questionar isso. Ele carregou a sacola até seu quarto para se trocar. Quando se virou para fechar a porta, Andrew estava logo atrás dele. Andrew não disse nada e gesticulou para a camiseta de Neil.

Neil hesitou, então colocou a sacola na cama de Matt e lutou para retirar sua camiseta. Estava ficando um pouco mais fácil a cada dia, mas ainda doía quando esticava seus braços muito alto e, quando virava o troco, sentia puxões nos pontos. Ele conseguiu passar a camiseta por sua cabeça e cotovelos antes que Andrew cansasse de assisti-lo se debater, e, puxou a camiseta folgada. Andrew jogou-a para o lado sem olhou para onde a camisa havia pousado. Ele estava mais interessado nas cicatrizes e hematomas cobrindo o torso de Neil.

Andrew alcançou os curativos nos pulsos de Neil, e Neil o deixou arrancar a fita e a gaze. Os ferimentos em cicatrização pareciam piores hoje do que no dia em que ele havia voltado para a Carolina do Sul. Abby estava certa; ele precisava deixar suas feridas respirarem. Neil arrastou o seu olhar das feias linhas esfoladas em volta de seus pulsos para o rosto de Andrew. Neil não tinha certeza do que ele estava procurando: um resquício da violência de quarta-feira ou as rejeições insensíveis e animadas do último semestre. Ele não captou nenhum dos dois. Andrew parecia estar mil anos distante de tudo isso, avoado e despreocupado.

No ombro direito de Neil havia uma marca de queimadura, cortesia de ter apanhado com um ferro quente de passar. Andrew colocou sua mão esquerda na região, com as pontas dos dedos se alinhando perfeitamente com as protuberâncias evidentes que os furos do ferro deixaram. Seu polegar direito encontrou a pele fina enrugara por ter sido atingido por uma bala. Neil havia dormido com seu colete à prova de balas por quase um mês depois dessa experiência, assustado demais para tirá-lo. Sua mãe teve que intimidá-lo a retirá-lo por tempo o suficiente para limpar o ferimento.

– Alguém atirou em você –, disse Andrew.

– Eu lhe disse que alguém estava me perseguindo–, respondeu Neil.

– Isso –, Andrew apertou firmemente seus dedos na marca do ferro, – não é de uma vida fugindo.

– Meu pai me deu isso. Pessoas começaram a fazer perguntas sobre o trabalho dele. Eu não disse nada, mas aparentemente não estava quieto o suficiente, também. Ele me bateu logo que a porta se fechou. Foi por isso que lhe disse para me chamar de “Abram" –, disse Neil. – Eu não queria lhe dar o nome do meu pai, porque eu não quero que ninguém me chame assim novamente. Eu o odiava.

Andrew ficou quieto por um longo tempo, então desceu a sua mão até os cortes em volta do abdômen de Neil:

– Renee disse que você recusou nossas facas. Um imã de assassinos como você não deveria andar por aí desarmado.

– Eu não vou –, disse Neil. – Eu achei que você iria me proteger este ano? – Andrew olhou para ele novamente, com uma expressão indecifrável. Ele não disse nada, então Neil continuou: – Você sinceramente não é um sociopata, não é?

– Eu nunca disse que eu era.

– Você deixa eles dizerem isso sobre você –, disse Neil. – Você poderia tê-los corrigido.

Andrew dispensou o assunto:

– O que as pessoas querem pensar sobre mim não é problema meu.

– O Treinador sabe?

– É claro que sim.

– Então sua medicação...? – perguntou Neil. – Aquelas pílulas eram mesmo antipsicóticos?

– Você faz muitas perguntas – Andrew disse, e deixou Neil sozinho para se vestir.

Neil encontrou o grupo de Andrew no corredor quando ele estava pronto. Nicky deu um sorriso aberto em aprovação em como as roupas novas serviram bem. Aaron não fez muito mais do que olhar para Neil. Kevin checou o rosto de Neil para ver se haviam manchas na maquiagem, mas não disse nada. Andrew apenas esperou o suficiente para ouvir a maçaneta deslizar até o batente e foi para as escadas. Ele tinha dois cigarros acesos antes de chegarem ao segundo andar, e um ele passou sobre o seu ombro para Neil. Neil o segurou até chegarem ao carro.

Nicky deu-lhe um olhar estranho enquanto abria a porta do banco de trás:

– Você não fuma.

– Não –, assentiu Neil, e esfregou a chama na sola de seu sapato. Ele guardou a outra metade do cigarro para mais tarde em seu bolso. Sentou no banco do passageiro antes que Nicky perguntasse qualquer outra coisa, e posicionou o seu cinto de segurança no lugar. Os outros não demoraram em se amontoar no carro, e Andrew colocou-os na estrada logo que a última porta foi fechada.

Neil ficaria feliz em nunca colocar sequer um pé em Columbia novamente depois do que havia acontecido em novembro, mas os outros pareciam indiferentes. Eles pararam no estacionamento do Sweetie's como se nada de ruim houvesse acontecido naquela cidade e pegaram a primeira cabine de mesas livre. Nicky começou um monólogo extenso sobre suas aulas, mas Neil não conseguiu focar em uma única palavra. Ele deixou as frases entrarem por um ouvido e saírem pelo outro e comeu seu sorvete em silêncio.

O Eden's Twilight estava cheio, como de costume. Um segurança sentado numa banqueta checava identidades enquanto o outro vigiava a porta de entrada. O segurança praticamente pulou da banqueta ao ver o carro de Andrew na calçada. Neil ficou para trás, enquanto Nicky e Aaron suportavam apertos de mão vigorosos e tapinhas nas costas. Um dos seguranças disse algo a Aaron, com a voz baixa, mas com a expressão intensa. Neil supôs que era uma promessa de apoio no julgamento que ainda estava por vir, julgando pelo aceno de cabeça agradecido de Aaron. Ele olhou para trás a procurara de Andrew, que estava esperando no banco do motorista por um passe de estacionamento VIP, mas Andrew estava observando o tráfego de carros ao invés do espetáculo na porta. Finalmente, Nicky conseguiu um passe de um dos seguranças e levou-o até o carro.

Andrew dirigiu para estacionar enquanto os outros entravam. Neil seguiu Kevin através da multidão, empurrando os corpos superaquecidos e fazendo uma pequena careta involuntária pela guitarra explodindo nos alto-falantes. Não havia nenhuma mesa vazia, então eles acabaram contra o balcão do bar. Não demorou muito para Roland vê-los e quase deixar cair sua coqueteleira. Assim que ele terminou os seus pedidos, Roland seguiu o caminho mais curto até eles.

– Quem diria –, disse ele. – Estava começando a achar que não veria vocês de novo.

– Como se pudéssemos ficar longe para sempre –, disse Nicky. – É só que, não seria o mesmo sem Andrew.

– Andrew foi solto, então? – perguntou Roland com um alívio óbvio. – Quase morremos quando ouvimos as notícias. Eu queria que pudéssemos ter feito algo, qualquer coisa. E você –, disse ele, olhando para Aaron, – é um herói. Você tem nosso total apoio, entendeu? Se eles tentarem fazer qualquer acusação de merda colar, nós todos vamos até aquele tribunal. Aquele cara teve o que merecia e todos sabem disso.

– Obrigado –, disse Aaron.

Roland preparou rapidamente uma rodada de bebidas. Ele já havia visto Neil provavelmente uma dúzia de vezes antes e sabia que Neil não bebia, mas ele colocou uma dose no caminho entre ele e Neil para o caso de Neil estar se sentindo comemorativo. Neil deixou-a onde estava e os observou beberem. Roland já tinha uma segunda rodada pronta no momento em que Andrew se juntou. Andrew deslizou cuidadosamente até a abertura estreita entre Kevin e Neil.

– Bem-vindo de volta à terra dos livres –, disse Roland. – Eu diria “e sóbrios”, mas eu sei que isso não vai durar. Um brinde.

Eles viraram suas bebidas com facilidade. Roland começou a preparar sua bandeja, como de costume. Estava quase terminando antes de uma mesa finalmente ficar livre. Neil ficou para trás com Andrew enquanto os outros foram pegar o lugar. Andrew bebeu a dose de Neil quando a viu abandonada ali. Roland parou de fazer os drinques para encher novamente o copo. Dessa vez, ele empurrou-o um pouco mais para perto de Neil.

– Se solte um pouco. É uma ocasião especial –, disse Roland.

– É acabar com sete semanas de trabalho árduo –, replicou Neil.

Andrew não perdeu seu fôlego argumentando. Bebeu a segunda dose de Neil e Roland nem tentou servir uma terceira. Quando Roland acabou de misturar os drinques, Neil desocupou o caminho para Andrew levar a bandeja. Os outros se acabaram nas doses, mas Andrew tomou seu drinque o mais lentamente que Neil já tinha o visto beber. Neil supôs que sua tolerância estava no fundo do poço, depois de dois meses sem ingerir nada alcoólico. Ele dissera a Neil, ano passado, que ele sempre soubera quais eram seus limites. Isso fez Neil pensar se Aaron e Nicky já tinham visto Andrew bêbado. De alguma forma, ele duvidava disso.

Eles afundaram-se em pó de anjo em grupo, Aaron e Nicky desapareceram. Kevin continuou bebendo os drinques. Andrew observou a multidão e bebeu seu drinque na mesma velocidade que uma lesma. Neil não sabia o que dizer a eles, então se manteve ocupado. Ele trocou os copos cheios restantes na bandeja por vazios que estavam na mesa e se dirigiu ao bar. Roland pegou a bandeja assim que ficou disponível. Neil cruzou seus braços no balcão do bar e observou Roland misturar a próxima rodada.

– Então, Andrew finalmente cedeu, huh? – disse Roland. – Isso parece muito ruim.

Neil quase alcançou seu rosto, mas Roland olhava para seus pulsos. A camiseta nova de Neil tinha mangas compridas, mas era feita de um tecido fino que o deixava respirar facilmente num clube cheio. As mangas tinham deslizado um pouco, até seus antebraços quando ele cruzara seus braços. Ele puxou-as novamente, sabendo que era muito tarde para esconder seus ferimentos semicurados. Ao fazê-lo, ele então percebeu que o tom nas palavras de Roland foram completamente seguidos por risadas maliciosa.

Roland deu um sorriso de desculpas quando Neil franziu as sobrancelhas para ele:

– Eu me perguntei se ficar limpo acabaria com regra de “sem tocar” dele. Faz sentido que não, agora que nós sabemos sobre... – Roland balançou sua cabeça, visivelmente engolindo sua raiva de volta para dentro. – Eu não sei se devo dizer “obrigado" por aliviar minha curiosidade ou “desculpe" pela sobriedade dele ter obviamente piorado o problema. Só para você saber, existem algemas acolchoadas. Você deveria dar uma olhada nelas.

– O problema –, repetiu Neil, perdido. – Que regra é essa do “sem tocar”?

Roland pareceu surpreso, então confuso:

– Você não sabe? Mas então...

– Eu me machuquei numa briga –, disse Neil. – Por que Andrew faria isso comigo?

– Uh, então você não sabe –, disse Roland novamente, não mais uma pergunta, mas um freio para acabar com a conversa. – Sabe, vamos só esquecer que eu disse qualquer coisa. Não, sério –, disse ele quando Neil abriu sua boca para argumentar. – Ei, olhe. Seus drinques estão prontos. Eu tenho que checar o resto dos meus clientes.

Ele desapareceu antes que Neil pudesse colocar mais do que um “O que" para fora. Neil o encarou depois que ele foi embora, mas não teria respostas ali. Pegou a bandeja com as mãos instáveis e levou-a de volta para a mesa. Ele queria mandar Kevin embora, mas Andrew nunca o deixaria ir muito longe sem alguém o vigiando. Felizmente, Kevin não conseguia falar sequer uma única palavra em alemão. Neil sentou-se de lado em sua cadeira, de frente para Andrew, e disse:

– Por que Roland acha que você está me amarrando?

Andrew hesitou com o copo a caminho de sua boca. Ele olhou para as mãos de Neil, que estavam apertando a borda do assento entre seus joelhos. Neil não se moveu para ver se seus ferimentos irritados estavam aparecendo novamente. Ele não podia tirar seus olhos do rosto de Andrew. Finalmente, Andrew colocou sua dose cheia de volta na bandeja. Ele não soltou-a complemente, bateu seus dedos na borda do copo num ritmo descompassado. Pareceu uma eternidade antes dele finalmente arrastar seu olhar das mãos de Neil até seu rosto.

– Provavelmente ele acha que você é tão ruim em seguir ordens quanto ele –, disse Andrew. – Roland sabe que eu não gosto de ser tocado.

– Isso não responde a minha pergunta.

– Essa é a resposta –, repicou Andrew. – Reformule a pergunta se você não gostou.

– Eu quero falar de outro assunto –, disse Neil. – Por quer o treinador deveria se preocupar com seu limite de salário.

Andrew se moveu em seu assento para encarar Neil, posicionou seu cotovelo nas costas da cadeira. Apoiou seu rosto em sua mão e analisou Neil. Ele não pareceu nem um pouco incomodado com o súbito interrogatório, mas aquela calma não ajudou a aliviar o tremor no estômago de Neil.

– Quando o Treinador assinou com nós, ele prometeu ficar longe de nossos problemas pessoais. Ele disse que o conselho o paga para ser nosso treinador, nada mais e nada menos.

Aquela resposta não foi muito boa. Neil não tinha certeza se deveria continuar pressionando, mas se ele não tivesse a verdade agora, ele sabia que não a teria nunca:

– Eu não achei que eu fosse um problema pessoal. Você me odeia, lembra?

– Cada centímetro de você –, disse Andrew. – Isso não significa que eu não te chuparia.

O mundo se inclinou um pouco para o lado. Neil pressionou seus sapatos fortemente no chão para que ele não caísse:

– Você gosta de mim!

– Eu te odeio –, refutou Andrew, mas Neil mal o ouviu.

Por um momento vertiginoso, ele entendeu. Ele se lembrou da mão de Andrew sobre sua boca no Exites enquanto ele recuava da conversa. Ele pensou em Andrew cedendo a sua tentação e o segurando quando Neil mais precisava dele. Andrew havia chamado-o de interessante e perigoso, e tinha lhe dado às chaves de sua casa e carro. Ele confiou à presença de Neil junto a Kevin porque Kevin era importante para ambos, e ele sabia que Neil não iria decepcioná-lo.

Neil tentou encaixar tudo, mas quanto mais ele montava, mais se desfazia. Não fazia sentido. Ele não sabia no que deveria pensar. Poderia ser uma mentira, mas Neil sabia que não era. Andrew era um monte de coisas desagradáveis, mas um mentiroso compulsivo não era uma delas. Honestidade se encaixava em Andrew, porque ele era um instigador de coração e suas opiniões eram frequentemente impopulares.

Neil precisou de três tentativas para encontrar sua voz:

– Você nunca disse nada.

– Por que eu deveria? – Andrew deu de ombros. – Nada vai sair disso.

– Nada –, repetiu Neil.

– Eu sou autodestrutivo, não estúpido –, disse Andrew. – Eu sei muito bem.

Não havia nada que Neil pudesse dizer exceto “Ok", mas não soava ok e ele não se sentia ok. O que Neil deveria fazer com uma verdade como aquela? Ele iria estar morto em quatro meses, cinco se tivesse sorte. Ele não deveria ser isso para ninguém, Andrew menos ainda. Andrew dissera durante todo o ano – ele dissera isso na cara de Neil ainda nessa semana – que ele não queria nada. Neil não deveria ser à exceção dessa regra.

Andrew bebeu sua dose e colocou o copo de forma descuidada de volta na bandeja. Ele pegou seu maço de cigarros no bolso de trás enquanto ficava em pé e abriu-o para checar quantos haviam.

Neil deveria deixá-lo ir sem contestar, mas ele disse:

– É a sua vez de levar a bandeja.

Andrew pegou um cigarro e o posicionou entre seus lábios. O maço foi empurrado de forma segura em seu bolso antes dele olhar para Neil:

– Não preciso levá-la agora.

Neil o encarou, mesmo depois de ele ter desaparecido no meio da multidão. Ele não percebera que Kevin chamava seu nome até Kevin finalmente empurrar seu ombro para ter sua atenção. Neil pulou como se houvesse levado um tiro e tornou sua atenção para Kevin. Seja lá o que Kevin viu no rosto de Neil, foi o suficiente para matar sua curiosidade. Kevin lentamente fechou sua boca, abaixou sua mão, e voltou a beber.

Passou-se uma hora até que Andrew voltou até eles. Não dirigiu uma única palavra a eles naquela noite, e Neil estava feliz em lhe dar seu espaço. Aaron e Nicky finalmente retornaram, bêbados e exaustos, e eles foram embora juntos. A casa dos primos não era longe, mas não havia camas o suficiente para todos os cinco. Kevin ficou com o sofá, então Neil se encolheu numa cadeira com um cobertor fino.

Passaram-se horas até que ele finalmente parou de pensar para ter um bom tempo de descanso.


1 Comentários

  1. Isso não significa que eu não te chuparia.

    Caramba kkkkk

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