Neil deu a si mesmo mais um momento para respirar antes de tirar o presente de Kevin da sacola. Ele soube o que era assim que sentiu o peso. Ele havia se preocupado com suas anotações por tempo demais para não reconhecer a sensação daquilo em suas mãos. Á primeira vista, o fichário era um santuário de um fã obsessivo por Kevin e Riko. Um pouco mais de procura desenterraria tudo o que Neil precisava para uma vida em fuga. O dinheiro, os contatos ilegais e o número do celular de seu tio estavam escondidos entre os incontáveis artigos de Exy.
– Você não vai ver? – perguntou Nicky.
– Eu sei o que é – Neil apertou a sacola para fechá-la e olhou para Kevin. – Obrigado.
– Eu não a abri.
Neil não queria lidar com Matt novamente, então ele percebeu que poderia levar a pasta com eles para Columbia e guardar no cofre mais tarde:
– Estamos prontos?
– Se você tiver certeza de que está bem para uma viagem –, disse Nicky.
Neil começou a descer as escadas como resposta. Os três foram atrás dele e o seguiram até o carro. Kevin tomou seu lugar habitual no banco do passageiro e Nicky seguiu Aaron para o banco de trás. Neil escondeu seu fichário sob o banco do motorista e ignorou a maneira como seu corpo doeu quando se abaixou. Assim que todos estavam acomodados Neil pegou a estrada. Ontem, ele havia checado as direções até Easthaven no computador de Wymack. Era uma viagem fácil, quase exatamente o mesmo caminho que eles pegavam para o Eden’s Twilight quando eles iam beber em Columbia. A única diferença real eram nos últimos quinze minutos, quando eles circulavam em torno da capital e dirigiam para o nordeste.
Neil não havia se dado conta que, a seu ver, esperava que o Hospital Easthaven se parecesse com uma prisão, até que o lugar finalmente ficou visível e a falta de arame farpado nos arredores o assustou. O portão estava sem vigias e o estacionamento relativamente vazio. Neil desligou o motor e saiu. Kevin não estava muito atrás dele, mas Nicky e Aaron foram mais lentos ao se mover. O olhar que Nicky direcionou até a porta da frente era de nervoso. Ele escondeu seu desconforto por trás de um sorriso quando percebeu que Neil estava o encarando.
– Você sinceramente tem medo dele? – perguntou Neil.
– Nããã –, disse Nicky, de forma nada convincente.
Kevin estava logo atrás de Neil enquanto eles se dirigiam para dentro, e Neil não deixou de reparar na maneira como Aaron e Nicky recuaram um pouco. Ele achou que essas ressalvas de última hora deveriam torná-lo um pouco mais apreensivo pelo o que os esperava ali, mas ele não sentiu nada.
Ao chegar ao saguão, ele direcionou-se até a recepção. As pinturas florais adicionavam um pouco de cor a fachada com uma lareira construída na parede mais distante. O lugar tentava parecer um lar reconfortante, mas pareceu mais como um catálogo de móveis. Pelo menos não cheirava a antissépticos e doença.
– Saudações –, disse a recepcionista quando ela retirou o olhar de seu computador e viu o rosto maltratado de Neil. – Vocês estão bem?
– Estamos aqui para buscar Andrew Minyard –, disse Neil.
– Não foi isso o que eu quis dizer –, disse ela, mas Neil apenas a olhou em silêncio. Por fim, ela fez um gesto para a prancheta na mesa a sua frente. – Caso vocês assinarem, ligarei para o Dr. Slosky e avisarei que vocês já estão aqui.
Eles se aglomeraram em torno da mesa e se revezaram para escrever seus nomes na folha superior. Neil foi o único que hesitou quando a caneta tocou o papel. Riko não o deixou ser “Neil” em Evermore. Toda a vez que Neil atendia por esse nome na quadra, Riko o espancava. Neil não tinha muita escolha, já que os Corvos não sabiam por qual nome chamá-lo, mas Riko queria que ele soubesse quantos problemas ele havia causado para os Moriyamas com todos os seus álibis.
A recepcionista estava esperando com a mão esticada, então finalmente Neil apertou seus dentes e anotou seu nome sob os outros. Deu para ela a prancheta e tentou forçar a nova tensão para fora de seus ombros.
Eles não tiveram que aguardar muito antes que um homem de meia-idade se juntasse a eles. Ele sorriu e cumprimentou todos com um aperto de mãos. Suas sobrancelhas se ergueram quando enxergou Neil, mas ele não fez perguntas:
– Meu nome é Alan Slosky. Eu fui o terapeuta primário de Andrew durante sua estadia aqui. Obrigado por virem hoje.
– Primário –, repetiu Nicky. – Quantos vocês atribuíram a ele?
– Quatro –, respondeu Slosky. Ao ver a expressão de Nicky, ele explicou, – Não é incomum que nossos pacientes vejam vários médicos. Por exemplo, um paciente pode me ver para um aconselhamento em grupo, um colega meu para um intensivo individual, e um de nossos especialistas em reabilitação para o gerenciamento do medicamento. Eu escolhi a dedo a equipe de Andrew e eu posso lhe assegurar que eles são alguns dos melhores.
– Tenho certeza que fez a maior diferença do mundo –, disse Aaron.
Slosky não deixou de reparar o sarcasmo na voz de Aaron, a julgar pelo olhar que ele direcionou a Aaron, mas ele não se deixou levar pela provocação. Neil se perguntou se fora prudência ou uma confissão involuntária de seu fracasso:
– Posso confiar que ele terá o apoio de vocês nos próximos dias? Se vocês tiverem quaisquer perguntas ou precisarem de conselhos sobre como proceder, por favor, sintam-se à vontade para me ligar. Eu posso dar meu cartão...
– Obrigado, mas nós já temos a Betsy –, disse Nicky, e ao perceber o olhar interrogativo que Slosky deu para ele, completou – Dra. Dobson?
– Ah, sim. – assentiu Slosky em aprovação. Ele olhou para o corredor vazio por cima do ombro, pensou por um momento, então gesticulou para a sala de espera ao lado. – Por favor, fiquem à vontade. Ele deve estar aqui embaixo em alguns minutos; ele apenas precisa finalizar a sessão e sair de seu quarto.
Eles se acomodaram ao redor da sala, Nicky e Aaron em cadeiras separadas, e Kevin compartilhando um sofá com Neil. Neil olhou para a lareira sem perceber. Sua mente estava a quilômetros de distância, flutuando entre o Líbano e a Grécia. O lugar estava quente o suficiente para fazê-lo ficar sonolento. Ele tinha três – duas? – semanas de sono para recuperar. As noites dos Corvos eram curtas, a dor e a violência tinham interrompido a maioria de suas noites. Ele não percebeu o quão perto ele estava de dormir até o Francês suave de Kevin o despertar.
– Eu sei como ele é –, disse Kevin. Neil olhou para ele, mas Kevin estava encarando suas mãos. – Riko. Se você quiser conversar sobre isso.
Aquela foi à coisa mais estranha e desconfortável que Kevin já havia dito a ele. Kevin era conhecido por seu talento, não pela sua sensibilidade. Consideração e sutileza eram tão desconhecidas para ele quanto o Alemão que os primos falavam. O fato dele, pelo menos, ter tentado foi tão inesperado que Neil sentiu aquilo como bálsamo para cada centímetro machucado de sua pele.
– Obrigado.
– Eu sei como ele é, mas eu não posso... – Kevin fez um gesto desamparado. – Riko era cruel, mas ele precisava que eu obtivesse sucesso. Nós éramos os herdeiros do Exy; ele me machucava, porém havia linhas que ele não cruzaria até que o fim chegasse. Era diferente com Jean. Era pior. O pai dele devia aos Moriyamas uma grande quantidade. O mestre pagou essas dívidas em troca da presença de Jean na equipe. Ele é uma propriedade, nada mais. Você é o mesmo aos olhos deles.
– Eu não sou uma propriedade –, disse Neil num tom de voz baixo.
– Eu sei como ele te vê –, disse Kevin. – Eu sei que isso significa que ele não se conteve em suas ações.
– Isso não importa. – Aquilo soou como uma mentira até mesmo para ele, mas Kevin não disse nada. – Está acabado agora, e eu voltei para onde realmente pertenço. A única coisa que importa agora é o que vem em seguida.
– Não é assim tão fácil.
– Eu vou te dizer o que não é fácil: descobrir por Jean que o Treinador é seu pai –, disse Neil, e Kevin tremeu violentamente. – Você iria algum dia contar para ele?
– Eu iria contar quando ele assinou comigo –, confessou Kevin. – Eu não pude.
– Você estava protegendo ele ou a si mesmo?
– Ambos, talvez –, disse Kevin. – O mestre não é como o irmão, nem Riko. Seu reino é o seu estádio e esse é o único âmbito que ele escolheu para exercer controle. Ele nunca levantou a mão ou a voz para o Treinador antes porque o Treinador nunca foi uma real ameaça para ele. Eu não sei se uma confissão iria mudar as coisas. Eu não poderia arriscar. Talvez quando tudo isso acabar.
– Isso algum dia vai... – começou Neil, mas um movimento na direção da porta o fez esquecer suas palavras.
Andrew estava parado perto da porta com Slosky atrás. Ele estava vestindo a mesma blusa de gola rolê preta e jeans com quais ele havia sido internado. Uma mochila pendia em seu ombro, mas Neil não se lembrou de vê-lo fazendo bagagem antes de Betsy o levar para fora de seu lar. Neil poderia ter perguntando com o que Easthaven estava mandando ele para casa, exceto que seu olhar finalmente captou o rosto de Andrew e ele esqueceu suas palavras. A expressão de Andrew estava neutra e seu olhar vazio foi o suficiente para colocar um nó no estômago de Neil. Andrew demorou apenas o tempo suficiente para ver quem veio buscá-lo e partiu.
Aaron foi o primeiro a reagir. Ele fora ignorado por seu irmão durante anos; ser olhado como se fosse tão interessante quanto uma pedra era previsível. Aaron fez um gesto para Nicky e seguiu seu irmão. Neil e Kevin trocaram olhares, necessitando de uma trégua temporária e silenciosa, e ficaram em pé. Slosky disse algo para eles enquanto saíam do saguão, mas Neil não perdeu tempo decifrando suas palavras. Slosky tinha cumprido seu objetivo limpando Andrew de sua medicação. Neil não precisava e nem queria mais nada dele.
Assim que Neil alcançou a porta, Andrew já estava a meio metro de distancia. Aaron não o seguiu, porém cortou caminho pelo jardim até o estacionamento. Nicky foi com ele, mas Neil e Kevin pararam para observar Andrew. Duas lixeiras se encontravam na esquina da construção. Andrew abriu sua mochila e a levantou sobre uma das lixeiras, Neil viu roupas caírem. Ele duvidou que Easthaven houvesse as fornecido; era mais provável que Betsy e Andrew tivessem pegado algumas vestimentas no caminho para Andrew iniciar a reabilitação. Andrew encarou sua família com um olhar indiferente e usou o caminho que eles tomavam para localizar seu carro. Quando começou a se mover, Neil e Kevin foram atrás dele.
Nicky tinha suas chaves e destrancou o carro para que ele e Aaron pudessem se ajeitar no banco de trás. Andrew abriu a porta do motorista, mas não entrou. Ficou parado com suas costas no carro, com um braço apoiado no capô e a outra em cima da porta, e observou os atacantes se aproximarem. Kevin parou logo na frente dele para inspecionar o seu colega de equipe que havia retornado. Neil hesitou em frente da porta aberta para que ele pudesse observar o reencontro de ambos.
Se Neil não soubesse que Andrew passara o último ano e meio ferozmente sendo protetor e territorial com Kevin, ele pensaria que eles eram desconhecidos. Andrew olhou para Kevin com uma expressão entediada, então moveu levemente seus dedos para dispensá-lo. Parecia que nem mesmo os hematomas eram suficientemente interessantes para terem um comentário. Kevin assentiu e passou pela frente do carro até o banco do passageiro. Neil não esperou para ver se o olhar de Andrew tinha mudado de direção novamente e entrou no carro.
Andrew deslizou para o banco do motorista quando todos já estavam sentados e colocou sua mão aberta entre os assentos. Neil deixou seu chaveiro cair na palma de Andrew. Nicky pegou o pulso de Neil enquanto ele abaixava sua mão e deu um aperto curto e violento. Nicky provavelmente queria que aquilo fosse como uma desculpa pelo jeito frio de seu primo, mas a ardência se instalou no antebraço de Neil até a ponta de seus dedos. Ele havia esfregado seus pulsos até ficarem em carne viva lutando contra as algemas de Riko, e seus curativos não eram grossos o suficiente para o proteger do aperto forte de Nicky. Neil estremeceu antes que não pudesse se conter.
Nicky o soltou como se tivesse se queimado:
– Desculpe, me desculpe. Eu não...
A mão de Neil estava latejando, mas ele disse:
– Está tudo bem.
– Não está –, insistiu Nicky e olhou para o seu primo. – Quero dizer, misericórdia, Andrew, você não vai sequer perguntar...
Andrew o cortou com o som do rádio, alto o suficiente para afogar qualquer outra coisa que eles dissessem. A boca de Nicky se retorceu, mas Neil balançou sua cabeça em negação e acenou. Aquilo não aliviou o olhar preocupado nos olhos de Nicky, porém Nicky resolveu deixar para lá.
Kevin alcançou o rádio uma vez para tentar abaixar o volume. Andrew tirou a mão dele do caminho e lhe apontou um dedo em advertência, sem tirar seus olhos da estrada. Kevin cruzou seus braços numa declaração silenciosa de descontentamento que Andrew ignorou. A cabeça de Neil começou a latejar antes mesmo deles chegarem a metade ao norte do estado. Ele ficou feliz em ver a Fox Tower, e ainda mais feliz quando Andrew parou o carro e tudo ficou silencioso.
Neil foi o primeiro a sair e segurou a porta de Andrew antes que Andrew pudesse a fechar. Andrew não se moveu, mas havia espaço o suficiente para Neil se inclinar e pegar sua pasta. Ele se endireitou e se virou, descobrindo, então, que Andrew tinha se aproximado. Não havia mais lugar para ele se mover exceto ficar contra Andrew, porém, de alguma forma, Neil não se importou. Eles ficaram separados por sete semanas, entretanto, Neil se lembrava vagamente do porquê de ele ter ficado. Ele se lembrou desse peso inflexível e inquestionável que poderia segurá-lo e todos os seus problemas sem sequer derramar uma gota de suor. Pela primeira vez em meses, ele finalmente podia respirar de novo. Era tanto um alívio quanto assustador. Neil não queria ter se inclinado tanto sobre Andrew.
Finalmente Andrew recuou e deslizou o seu olhar para Nicky:
– Você fica. O resto vai.
Neil olhou para Nicky, para ver se ele estava bem em ficar sozinho com Andrew. Ao fraco aceno de Nicky, Neil deu a volta no carro juntando-se a Aaron e Kevin. Kevin olhou fixamente para Andrew sobre o capô do carro, como se ele pudesse ver através da máscara neutra de Andrew. Neil teve que puxá-lo forçadamente na direção do dormitório.
Eles subiram as escadas até o terceiro andar. Aaron destrancou a porta da suíte, mas Neil negou com a cabeça o convite de Kevin de se juntar a eles. Ele esperou até que eles fechassem a porta antes de ir para o fim do corredor e ligar seu celular. Quando o brilhante logotipo finalmente deu lugar a sua tela inicial, ele ligou para Wymack.
– Eu estava começando a achar que eles tinham te matado e deixado você apodrecer num canto da estrada –, disse Wymack ao invés de um "olá".
– Ainda não –, disse Neil. – Nós chegamos agora.
– Se alguém precisar de alguma coisa, eu tenho meu celular comigo. Tente manter o seu com você, também.
– Sim, Treinador –, assentiu Neil e desligou seu celular assim que terminou a chamada.
Ele havia dado suas chaves a Andrew, então ele teve que bater na porta para entrar no seu quarto. Ele carregou seu fichário até o outro cômodo e tirou o seu cofre do armário. O cofre apenas guardava uma carta bem desgastada, até agora, mas ele enfiou aquilo no fichário e trancou-a, por segurança. Ele voltou para a sala, encontrando Matt esperando por ele no braço do sofá. Neil devolveu o olhar interrogativo de Matt com uma expressão reservada. Ele esperou as inevitáveis perguntas e acusações, mas quando Matt finalmente falou, foi apenas para dizer:
– Você ‘tá ok?
– Estou bem –, disse Neil.
– Apenas para ressaltar, eu não acredito em você –, replicou Matt.
Neil levantou um ombro num cansado dar de ombros:
– Você provavelmente não deveria acreditar em nada do que eu digo.
Matt bufou, muito tenso e silencioso para produzir uma gargalhada sincera:
– Eu tenho a sensação de que essa foi a coisa mais honesta que você já me disse durante todo o ano. Mas, Neil? Nós estaremos aqui quando você quiser falar sobre isso.
– Eu sei.
Ele ficou surpreso por perceber que aquilo era verdade. Ele sabia, apenas de olhar para Matt, que Matt aceitaria qualquer verdade que Neil lhe desse agora, não importa o quão cruel e inacreditável fosse. Ele tinha feito à coisa certa indo para Evermore; ele estava fazendo a escolha certa em permanecer ali, com as Raposas. Não importava o quanto seu reflexo o assustava. Se aquela fosse a única maneira de manter seus colegas seguros contra a crueldade de Riko, era um preço fácil a se pagar.
Neil disse:
– Eu nunca estive em Nova York.
Não era o que ele precisava dizer ou o que Matt queria ouvir, mas Matt não o pressionou. Ele entreteve Neil com histórias sobre o feriado deles, desde o primeiro encontro estranho dos primos com sua mãe até Nicky fazendo compras loucamente. Matt levou Neil para a cozinha e mostrou os vários grãos que ele trouxe de uma cafeteria local. Era tarde do dia para beber café, mas Matt estava cansado da viajem e Neil ainda estava fora dos eixos. Neil tirou o coador do armário enquanto Matt moía grãos o suficiente em um pote.
Neil enchia uma chaleira com água quando eles ouviram uma batida na porta. Matt estava mais perto, então foi atender. Neil não conseguia ver o convidado, pelo ângulo em que estava, mas quando Matt deu um passo para trás em convite silencioso, Nicky entrou. Ele parecia ileso, porém nervoso, e não havia como esconder a culpa em sua expressão quando encarou Matt.
– Eu... Ahn, sentaria se eu fosse você –, aconselhou Nicky. – Andrew acabou de descobrir quem foi que colocou os hematomas no rosto de Kevin. Eu tentei te defender, porque Kevin mereceu e você pagou a fiança de Aaron, mas eu não sei se isso vai funcionar. Lógica e Andrew não são exatamente sinônimos.
– Obrigado pelo aviso –, agradeceu Matt.
Nicky olhou para Neil:
– Ele me mandou aqui para buscar você.
– Quanto você contou para ele? – perguntou Neil.
– Nada sobre você. – Nicky colocou suas mãos em seus bolsos e deu de ombros de modo desconfortável. – Ele queria informações sobre tudo: o julgamento de Aaron, o rosto de Kevin e os Corvos. Eu disse para ele que nós conseguimos chegar aos campeonatos, contei sobre a briga no banquete de Natal. Não contei que você não estava com a gente em Nova York.
Neil assentiu e voltou para seu quarto. Ele pegou seu maço de cigarros primeiro e enfiou no seu bolso de trás. As braçadeiras de Andrew estavam embaixo de seu travesseiro, no mesmo lugar que Neil havia as escondido, novembro passado. Nicky fez uma careta quando as viu.
– Talvez não seja uma boa ideia armá-lo agora –, aconselhou Nicky.
– Vai ficar tudo bem –, Neil respondeu e se dirigiu para o corredor e, em seguida, para as escadas.
Andrew o esperava nas escadarias, com seus braços cruzados vagamente sobre o seu peito e suas costas apoiadas contra o corrimão. Seu olhar caiu imediatamente nos panos escuros na mão estendida de Neil, ele as pegou sem dizer uma palavra. Neil já havia visto as cicatrizes de Andrew rapidamente, mas Andrew virou-se para usar as braçadeiras mesmo assim. Quando suas mangas já escondiam as braçadeiras, Andrew se dirigiu para o andar de cima ao invés do de baixo.
As escadas acabavam numa porta com os dizeres "Acesso ao Teto – Apenas Pessoal da Manutenção". Neil presumiu que estaria trancado, mas Andrew apenas precisou dar algumas sacudidas violentas para abrir. A julgar pelos cortes hábeis na porta e no batente, Andrew tinha sabotado a fechadura há muito tempo. Neil não perguntou e seguiu Andrew para a tarde fria. O vento parecia mais forte daquela altura e Neil desejava ter sido capaz de vestir seu novo casaco.
Andrew foi até a beirada do telhado e examinou o campus. Neil aproximou-se e olhou cautelosamente para o lado. Alturas não o deixavam enjoado, mas a falta de uma grade de segurança era desencorajador quando uma queda de quatro andares o aguardava. Neil tirou o maço do bolso, sacudiu até dois cigarros saírem e os acendeu. Andrew pousou o dele entre seus lábios. Neil colocou suas mãos em torno do cigarro para proteger a chama da brisa fria.
Andrew se virou para encará-lo:
– Eu aceito uma explicação agora.
– Você não poderia fazer perguntas lá dentro, onde está mais quente? – perguntou Neil.
– Se você está se preocupando em morrer por exposição, você está um pouco atrasado. – Andrew ergueu sua mão até o rosto de Neil e parou com seus dedos próximo da pele dele. Andrew não estava olhando para seus ferimentos; ele estava encarando os olhos sem lentes de Neil. – Eu quebrei minha promessa ou você esteve mantendo a sua?
– Nenhum dos dois.
– Eu sei que você teve um amplo tempo em minha ausência para aparecer com suas preciosas mentiras, mas lembre-se de eu ter lhe dado um crédito de verdade em novembro. É a sua vez em nosso jogo e você não vai mentir para mim.
– Também não –, concordou Neil. – Eu passei o Natal em Evermore.
Ele não deveria ter ficado surpreso com o fato de que a primeira coisa que Andrew fez foi encarar o curativo em sua bochecha. Aaron e Nicky não tinham reparado, sequer percebendo isso entre o resto de gaze e fita. Mas Andrew tinha passado muito tempo protegendo Kevin para não juntar as peças. Ele arranhou a borda da fita e puxou o curativo como se quisesse levar o rosto de Neil junto. Neil havia se preparado para a violência, mas a expressão neutra de Andrew não mudou quando sua nova tatuagem ficou visível.
– Isso é um tanto baixo até mesmo para você –, disse Andrew.
– Eu não estou usando isso por escolha.
– Você escolheu ir para Evermore.
– Eu voltei.
– Riko deixou você voltar –, corrigiu Andrew. – Nós estamos indo muito bem esse ano e a rixa entre vocês é pública. Ninguém acreditaria na sua transferência voluntaria para Edgar Allan no meio da temporada. – Andrew esmagou a atadura contra o rosto de Neil novamente e pressionou a fita com os dedos rígidos. – Você não deveria sair do lado de Kevin. Esqueceu?
– Eu prometi mantê-lo seguro –, replicou Neil. – Não disse que seguiria cada passo dele como você faz. Eu mantive a minha parte do acordo.
– Mas não desse jeito –, disse Andrew. – Você já disse que isso não tinha nada a ver com Kevin. Por que você foi?
Neil não sabia se ele poderia falar aquilo. Pensar nisso era quase insuportável. Andrew estava esperando, então Neil tentou não se engasgar com sua náusea:
– Riko disse que se eu não o fizesse, Dr. Proust iria...
Andrew colocou uma mão sobre sua boca, sufocando o resto de suas palavras, e Neil soube que ele havia falhado.
Riko dissera que o Dr. Proust do Easthaven usaria "reconstituições terapêuticas" para ajudar seu paciente. Era uma linha fina entre a crueldade psicológica e o abuso físico real, e Riko deixou claro que Proust estava disposto a atravessar aquela linha se Neil desobedecesse. Ele deveria ter pensando melhor antes de confiar na palavra de Riko. O ódio derreteu um pouco do novo gelo em suas veias, mas o olhar entediado no rosto de Andrew foi difícil de engolir. Alguns meses atrás, Andrew estava tão dopado que riu de sua própria dor e trauma. Agora, ele não se importava o suficiente para fazer o mesmo. Neil não sabia qual era pior.
Andrew abaixou sua mão quando Neil ficou quieto:
– Não cometa o erro de pensar que eu preciso de sua proteção.
– Eu tive que tentar. Se houvesse a oportunidade de fazer isso parar, mas não fizesse nada, como eu poderia encarar você novamente? Como eu poderia viver comigo mesmo?
– Sua alma torturada é problema seu, não meu –, cuspiu Andrew. – Eu disse que o manteria vivo esse ano. Você dificultou isso muito mais quando ativamente tentou se matar.
– Você passou todo esse tempo nos protegendo –, disse Neil. – Quem está protegendo você? Não diga que você está, porque você e eu sabemos que você tá pouco se fudendo para si próprio.
– Você tem problema de audição –, deduziu Andrew. – Muitas boladas no capacete, provavelmente. Você consegue fazer leitura labial? – Andrew apontou para sua boca enquanto falava. – Da próxima vez que alguém vier até você, sente-se e deixe-me lidar com isso. Entendeu?
– Se isso significar perder você, então não –, respondeu Neil.
– Eu te odeio –, disse Andrew casualmente. Deu uma última profunda tragada em seu cigarro e jogou-o telhado abaixo. – Você deveria ser um efeito colateral das drogas.
– Não sou uma alucinação –, replicou Neil, confuso e surpreso.
– Você é um sonho inalcançável –, continua Andrew. – Vá para dentro e me deixe sozinho.
– Você ainda está com minhas chaves –, Neil o lembrou.
Andrew retirou o chaveiro de Neil de seu bolso, retirando a chave de seu carro da argola. Ao invés de devolver o molho, ele as joga após o seu cigarro. Neil se inclinou para ver se elas caíram em alguém, mas a calçada abaixo deles estava vazia. Suas chaves bateram inofensivamente contra o chão. Neil se endireitou e olhou para Andrew.
Andrew não retribuiu o olhar, mas disse:
– Não mais.
Neil abriu sua boca, mudou de ideia no último segundo, e silenciosamente retornar para dentro. Ele desceu as escadas até o térreo e empurrou a porta de vidro da frente para abri-las. Suas chaves tinham pousado mais longe do que ele esperava, mas a luz do sol brilhante contra o metal fizeram-nas fáceis de se achar. Neil pegou-as e viu o cigarro de Andrew há alguns centímetros de distância. As cinzas tinham se quebrado com o impacto, mas no final ainda havia uma fina camada para se tragar.
Andrew estava observando-o, ainda inclinado na beirada do telhado como se tivesse um anseio suicida. Neil não sabia ao certo por que fizera aquilo, mas pegou o cigarro de Andrew da calçada e colocou-o entre seus lábios. Ele inclinou a cabeça para encontrar o olhar inabalável de Andrew e bateu dois dedos em sua têmpora, fazendo a saudação debochada de Andrew. Andrew se virou e desapareceu de vista. Aquilo parecia uma vitória, apesar de que Neil não tivesse certeza do porquê. Ele apagou o cigarro com seu sapato no caminho de volta para dentro.
Matt estava no sofá quando Neil chegou em seu quarto. O café já estava pronto e a caneca quente pareceu agradável nas mãos geladas de Neil. Matt o inspecionou no caminho que ele fizera até o sofá, provavelmente procurando por novos machucados. Neil sentou-se com o maior cuidado possível sobre o acolchoado e respirou o vapor de sua bebida.
– Onde estávamos? – perguntou Neil.
Matt suspirou, mas continuou de onde eles tinham parado. Ele contou sobre a neve no Central Park e a contagem regressiva para Ano Novo na Times Square. Neil fechou os olhos enquanto escutava, tentando captar tudo aquilo, imaginando por um momento que ele estivera lá também. Ele não queria ter dormido, mas um cuidadoso puxão em sua caneca de café o despertou bruscamente. Matt evitou estreitamente de ser atingido e levantou suas mãos em defesa para acalmar Neil.
– Ei –, disse ele. – Sou só eu.
A caneca estava fria em suas mãos e parecia ter algo errado com a iluminação do quarto. Neil olhou para a janela, precisando ver o céu, mas as persianas estavam abaixadas. Ele deixou Matt pegar seu café e se levantou abruptamente quando Matt recuou. Ele cruzou o quarto o mais rapidamente que seu corpo maltratado pôde se mover e puxou as cordas para abrir as persianas. O sol estava se pondo, mas ainda havia um pouco de luz no céu. Era crepúsculo ou amanhecer; Neil não sabia qual.
Neil pressionou suas mãos estendidas contra a janela:
– Que dia é hoje?
Pareceu uma eternidade até que Matt respondesse:
– É terça-feira.
Crepúsculo, então. Ele havia apenas perdido algumas horas.
– Neil? – perguntou Matt. – Você está bem?
– Estou mais cansado do que pensei –, respondeu. – Estou indo para a cama mais cedo.
A carranca infeliz no rosto de Matt mostrava que ele não acreditou em Neil nem por um segundo, mas Matt não tentou pará-lo. Neil fechou a porta do quarto firmemente atrás de si e começou o árduo processo de trocar de roupa. Ele já estava respirando através dos dentes cerrados quando finalmente colocou seu moletom. Ele apertou suas mãos firmemente para impedir que elas tremessem, mas a escalada até sua cama suspensa enviou pequenos tremores a seu estômago. Era muito cedo e ele ainda estava muito dolorido para adormecer novamente, mas puxou os cobertores por cima de sua cabeça e se permitiu parar de pensar.
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